sábado, 8 de fevereiro de 2020

Em maio acontece a 7a Semana André Carneiro

Diferente das demais edições, esse ano a Secretaria de Cultura lançou um edital visando trocar os realizadores originais. O edital foi elaborado de forma superficial, com a única intenção de me excluir como curador, numa atitude antiética e autoritária. Em resposta escrevi um texto de repúdio a iniciativa que segue abaixo. Saliento que a intenção é retomar o diálogo com a Secretaria de Cultura a fim de preservar um trabalho que já vinha sendo feito há seis anos. A sexta edição, embora sem a devida divulgação dos resultados (por problemas pessoais), foi um sucesso. Realizamos uma vasta programação que incluiu palestras, exposições e um encarte comemorativo aos setenta anos do “Tentativa”. Em breve iremos atualizar as postagens. De um jeito ou de outro a 7a Semana André Carneiro será realizada por mim e demais pessoas que sempre colaboram. Ao tomar a iniciativa de realizar esse evento destacando um artista que, com sua arte, nunca se furtou a denunciar as arbitrariedades do poder, o que que se exige é coragem. E isso não me falta!

Carta de Repudio ao Edital da Secretaria de Cultura 
7ª Semana André Carneiro

Em 2013 propus à Secretaria de Cultura a realização da Semana André Carneiro. Na época o assunto foi tratado com o diretor de Cultura Charles Giraldi que tinha Luís Otávio Frittoli como Secretário de Cultura. Até então André Carneiro era pouco conhecido em Atibaia, mesmo sendo o artista atibaiense de maior influência na cultura local.  A ideia inicial do evento surgiu num dos encontros realizados na casa do André Carneiro, aqui em Atibaia, quando ele vinha juntar-se a Lina e aos filhos para passar as festividades de final de ano, ocasiões em que era convidado a visita-lo. Nesses encontros tomou corpo a ideia de tornar seu nome mais conhecido em sua terra natal. Tempos depois apresentei uma proposta ao Diretor de Cultura citado acima. Ele, com entusiasmo, acolheu a ideia e apresentou outras sugestões que foram incorporadas ao projeto. Propúnhamos criar um evento anual, para marcar o nome do homenageado, mas que contasse ainda com a participação de outros artistas através de concursos, convites e festivais nas áreas de atuação de André Carneiro: literatura, pintura, fotografia e cinema.

Ficou acordado que eu faria a curadoria do evento, cuidando do material referente à obra do homenageado, pesquisando, escrevendo e produzindo texto, mostras e exposições que tinham como intenção apresentar para a cidade sua rica e diversificada obra, contando sempre com o auxilio de seu filho Maurício Carneiro. A Secretaria de Cultura cuidaria da infraestrutura necessária, do apoio financeiro e da viabilização da participação dos demais artistas. Seria uma parceria entre eu (Garatuja) e a Prefeitura de Atibaia.

A primeira Semana André Carneiro ocorreu dessa forma, em 2014, com ampla participação da Secretaria de Cultura. O Centro de Convenções estava em reforma e o evento teve lugar no palco do CIEM, contando com a presença do próprio André Carneiro que recebeu das mãos do então chefe de Gabinete, Dr. Luiz Benedito Roberto Torricelli (representando o Prefeito Saulo Pedroso) uma placa de agradecimento pelos serviços prestados à cidade. Momento de extrema emoção para o artista e demais presentes. Meses depois André Carneiro faleceu.
No ano seguinte a Semana AC aconteceu no Centro de Convenções Victor Brecheret, mas com novo Secretário de Cultura: Cleber Centini. A mudança ocorrida pouco antes do evento inviabilizou uma participação maior da Secretaria de Cultura na elaboração da programação daquele ano.  Para não parar logo no segundo ano do evento, resolvi fazer a minha parte, organizando o evento sozinho, focando no trabalho do artista, mas contando com apoio financeiro da Prefeitura (R$ 2.000.00). Infelizmente situações semelhantes acorreram nas edições seguintes. Vale destacar que a partir daquele ano cada nova edição da Semana AC era tradada com um novo Secretário de Cultura, fato que dificultava qualquer entendimento sobre a participação da Secretaria de Cultura na formulação do evento. Mesmo assim continuei fazendo a minha parte. Em 2016 o então vereador Paulo Catta Preta, entendendo o valor da iniciativa e do artista citado conseguiu oficializar a Semana André Carneiro fortalecendo sua realização. Em 2018 um novo espaço cultural ganhou o nome de Centro Cultural André Carneiro. Um reconhecimento da sua importância para o município, fato diretamente ligado à realização da Semana André Carneiro, no qual tenho grande orgulho de ter sido o principal articulador. Fazia parte do projeto original, apresentado em 2014, à criação de um site sobre a Semana, onde pudéssemos reunir as informações e disponibilizar aos interessados. E assim foi feito. A princípio, a criação e execução seriam a cargo da Secretaria de Comunicação, mas depois de várias tentativas frustradas, percebemos a inviabilidade dessa ação da maneira como pretendíamos. Decidimos então que seria melhor realizar o site pelo Garatuja. Além do site criei ainda um blog e uma página nas redes sociais. Todo esse material foi produzido por mim, do layout aos textos, que incluiu pesquisas e muita leitura. Com o tempo outros amigos passaram a influir na realização da Semana. Cito o editor Silvio Alexandre, Gilberto Sant’Anna, Juliana Gobbe, Carlos Alberto Pessoa Rosa, Araceles Stamatiu, Nelson de Souza e mais recentemente tivemos a participação da FAAT através da Marta Alvim e do Osni Diaz. Durante as seis edições realizadas até aqui aconteceram exposições, lançamentos, exibições, palestras, publicações, debates e apresentações envolvendo inúmeros participantes, incluindo alunos de escolas públicas e demais interessados. Só na 5ª edição tivemos cerca de 800 pessoas atingidas diretamente no evento.
7ª Semana André Carneiro
Para esse ano, como aconteceu em anos anteriores, imaginava que um ofício seria necessário para confirmar a realização do evento. Desde o final do ano já me preparava para essa edição, inclusive agendando palestras que seriam realizadas em maio. Nesse tempo vi que a Secretaria de Cultura tinha aberto um edital de chamamento para ocupação dos espaços públicos que começaria a vigorar a partir desse ano. Em dúvida indaguei (informalmente) a Diretora de Cultura Carla Natal, se a Semana André Carneiro também se enquadrava nesse edital, necessitando apresentar projeto. Não tive resposta. Depois de alguns dias enviei um e-mail, solicitando um encontro com a Secretaria de Cultura a fim de criar a programação e começar os preparativos para essa 7ª edição. A resposta veio curta e grossa:

“A Secretaria de Cultura elaborou um edital específico para a Semana André Carneiro 2020. Publicação da Imprensa Oficial, edição n°2162 de 25 de janeiro de 2020 com errata na edição n°2163 de 29 de janeiro”.

Essa foi a resposta. A Secretaria de Cultura elaborou um edital de chamamento para a realização da 7ª Semana André Carneiro por sua conta, ignorando todo o histórico de realizações ocorrido até então. Sem sequer ter a delicadeza de nos comunicar, numa atitude injusta e antiética. Com qual intenção? Descartar os realizadores e colocar quem é de seu agrado? No momento em que a Secretaria de Cultura lança esse edital sem consultar os principais interessados fica claro o total desprezo pelas pessoas que conduziam o processo. Se a intenção era mudar a forma de contratação qual o problema em dialogar com todos os envolvidos? Porque fazê-lo de forma tão autoritária? Esses posicionamentos, com ares de normalidade, assumidas pela Secretaria de Cultura só reforçam a visão distorcida de seus dirigentes que resistem a qualquer tentativa de se criar uma política pública, onde as decisões sejam divididas com o conjunto da sociedade civil. Preferem o atendimento de balcão, onde podem, com sorrisos e postagens, atender a todos com simpatias e favorecer quem lhes convém.  Sempre no varejo e nunca no atacado, como deveria ser uma política pública de verdade. Digo isso porque os editais são ações jurídicas de grande importância num contexto democrático, onde o poder público tem a oportunidade de elaborar propostas junto com a sociedade civil, imprimindo legitimidade ao certame, conforme diz a LEI COMPLEMENTAR Nº 798, DE 19 DE MARÇO DE 2019, que Institui o Conselho Municipal de Política Cultural de Atibaia - Artigo 3º - Ao Conselho Municipal de Política Cultural de Atibaia compete:
XII - Elaborar em conjunto com a Secretaria Municipal de Cultura, anualmente, os editais públicos que regulamentarão:
a) A forma de financiamento dos projetos culturais a serem apresentados;
b) A ocupação dos próprios públicos destinados às atividades artísticas, respeitando seus regimentos internos, bem como o calendário oficial do Município que demande o uso de tais espaços garantindo a reserva de, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) para produção local;
c) Os prazos de recebimentos, julgamentos, aprovações ou reprovações, confirmação ou desistência, tanto dos projetos de financiamentos quanto as propostas de ocupação dos próprios públicos.

Lembrando que o Conselho de Cultura encontra-se em pleno funcionamento, portanto nada justifica que esse edital tenha sido elaborado a revelia desse importante instrumento de participação popular. É juntamente com o Conselho de Cultura que devem ser elaborados todos os editais da Secretaria de Cultura, desde sua formulação até o acompanhamento da prestação de contas. É lá que a sociedade civil poderá fiscalizar, opinar e influir na indicação, por exemplo, de juris credenciados, com conhecimentos específicos de áreas para escolher os melhores projetos artísticos a serem desenvolvidos na cidade, e não deixar uma etapa tão importante como esta somente a cargo da Secretaria de Cultura, como esta prevendo o Edital recém publicado, além de outros problemas apresentados.

O sucesso da Semana AC só não foi maior porque faltou o envolvimento mais efetivo da Secretaria de Cultura, conforme ocorreu em sua primeira edição. O fomento a participação de outros artistas dependia de acordos elaborados com a Secretaria de Cultura, que não aconteceram por razões diversas. Uma delas foi a constante mudança de Secretários de Cultura ao longo dessa gestão. A cada mudança era necessário um exaustivo trabalho de informação e convencimento sobre o tema, que acabava sempre na decisão: “Esse ano vamos fazer mais simples, ano que vem agente capricha”. Fato que nunca ocorreu porque no ano seguinte era outro Secretário e a ladainha era a mesma. Durante as seis edições da Semana André Carneiro realizadas até aqui foram os seguintes Secretários que passaram pela pasta. Cada um falando uma língua.
1a Semana (2014) – Secretário Luís Otávio Frittoli
2a Semana (2015) – Secretário Cléber Centini
3a Semana (2016) – Substituindo a vacância do Secretário de Cultura assumiu o servidor público Silvio...
4a Semana (2017) – Secretária Viviane Cocco
5a Semana (2018) – Secretário Rui Tiago Oliveira
6a Semana (2019) – Secretário interino Bruno Perrota Leal e depois Roberta Engle Barsotti de Souza
Podemos citar outros Secretários que passaram pela pasta, mas sem participação direta nessa proposta como Jaime Santos e Alessandro Sabella. Eu pergunto. É possível desenvolver algo consistente nessas condições? Quem consegue fazer um trabalho de continuidade (que inclui acertos e erros) nesse clima? O que um decide hoje, não serve para o próximo amanhã. É um eterno recomeçar. Minha tentativa até aqui, em relação à Semana André Carneiro, foi cobrar e cumprir o que foi acordado com o primeiro Secretário de Cultura, que eu imaginava ter o aval do Prefeito Saulo Pedroso. E aqui vai uma duvida que só ele pode responder. Melhor do que ninguém o Prefeito Saulo Pedroso sabe da importância dos planos e metas de ação numa gestão pública. Fato que ele faz com muita competência. Mas e na Cultura? Quando tratei pela primeira vez sobre a Semana André Carneiro, estabelecendo metas a médio e longo prazo, eu estava falando com um Secretário de Cultura que representava um programa do governo Saulo Pedroso, ou estava falando com um Secretário que respondia por conta própria? Segundo suas próprias convicções? Não foi essa a impressão que tive, ao ver o entusiasmo por parte do poder público na solenidade de abertura da 1ª Semana AC. Na ocasião senti um grande envolvimento e comprometimento pela causa, fato que não ocorreu nos anos seguintes (com exceção da Secretária Viviane Cocco). Infelizmente. Essa inconsistência de representação favorece uma relação conflituosa de disputa entre quem produz cultura e quem deveria fazer sua gestão. Isso é péssimo porque passamos a ser vistos como concorrentes a serem eliminados pela própria Secretaria, que deveria fornecer os meios de realização das propostas apresentadas. Vejamos no caso específico desse edital. O que leva a Secretaria de Cultura a pensar que tem posse do evento e tomar decisões unilaterais? O fato de a Semana André Carneiro ter sido oficializada? Quer dizer que se oficializou, virou posse da Secretaria de Cultura? Essa lógica vai frontalmente contra tudo que deu certo até aqui em termos de eventos que apresentam continuidade de ações. Exemplo o Salão de Humor de Piracicaba que existe a mais de quarenta e cinco anos, extrapolando todas as gestões que passaram pela cidade de Piracicaba, tornando-se o principal evento cultural da cidade. Isso é possível porque o Salão mantém um grupo de organizadores que trabalham independentes dos humores políticos. São eles que estabelecem as diretrizes do Salão, mantendo uma linha original de conduta, dando coerência e unidade ao evento, mesmo com a alteração política partidária que comumente acontece. Lembrando que nesse grupo figuram pessoas de área, profundamente identificadas com a linguagem do humor e extremamente competentes, daí o sucesso que tem. São práticas comuns nos eventos de continuidade e outros exemplos não faltam. Se o fato da oficialização da Semana André Carneiro, ou seja, dele passar a figurar no calendário cultural oficial do município, for desculpa para a Secretaria de Cultura tomar posse do evento eu pergunto: Todos os demais eventos oficializados têm, ou terão, o mesmo tratamento? Porque então a Secretaria de Cultura, na gestão Saulo Pedroso, nunca realizou o Encontro de Artes Plásticas de Atibaia? Esse foi o segundo evento oficializado em Atibaia, sua criação é de 1968, entretanto nunca recebeu a devida atenção por parte deste governo. O último aconteceu em 2012. Os Encontros de Artes Plásticas tiveram grande importância cultural para o município, abrindo as festividades de aniversário da cidade durante muitos anos. Para quem não sabe o Encontro também era realizado por uma comissão, formada por três pessoas da sociedade civil. Eram eles que, em conjunto com a oficialidade local, realizavam o evento. O Encontro perdeu muito de sua força justamente quando deixou de existir as comissões, passando a ser realizada somente pela Secretaria de Cultura. A mesma visão equivocada se repete na atual Secretaria de Cultura em relação à Semana André Carneiro. Pretendem tirar a autonomia da sociedade civil na elaboração do evento e transferi-la para a oficialidade, que sabemos de antemão, não dará certo. Prova é que já começa com sérios problemas na própria premissa deste edital, revelando total desconhecimento pelo tema e outros fatores condicionantes. Sem a participação de quem domina o assunto à tendência é criar editais Frankstein como esse, que foi elaborado de forma superficial, com propostas que levam a uma única certeza: a desconstrução do que foi feito. Ao inserir novos realizadores, que dificilmente terão conhecimento sobre o assunto, além do que já foi divulgado por essa mesma Semana AC, o que teremos serão ações isoladas. Será mais um evento de fachada, pra cumprir tabela, para enganar os incautos e satisfazer os egos. Uma colcha de retalhos sem unidade e coerência. Lembrando que os possíveis ganhadores do edital poderão ser diferentes a cada ano, dificultando ainda mais essa unidade. Tudo no jeito para os captadores de recursos oportunistas de plantão, que sabemos, não estão nem aí com o conteúdo, mas são ótimos para fazer “projetos” e abocanhar recursos. Ao descartar seus realizadores originais o que ocorrerá é a desmobilização dos envolvidos, o enfraquecimento da sua continuidade e o fim de um trabalho que já existia há seis anos, com muito esforço e dedicação. Qual a lógica dessa atitude? Porque interferir em algo que vinha dando certo? Este ano a programação marcaria os setenta anos de um evento de grande importância cultural para o município, muito pouco conhecido. A pesquisa, que estava sendo desenvolvida por mim e Maurício Carneiro, poderá não mais ser aproveitada, uma vez que contávamos com o apoio da Prefeitura, portanto se a intenção era eliminar a minha pessoa, o edital atinge a todos os demais envolvidos no projeto e prejudica, principalmente, a cidade de Atibaia, que poderá não mais contar com o evento daqui alguns anos.

Outras dúvidas que tenho em relação a esse edital. Como fica o site, o blog e demais veículos de informação, que são partes fundamentais da curadoria autorizada pelos herdeiros legais? Eles são totalmente produzidos e mantidos por mim, como mencionado acima. O ganhador do edital fará esse trabalho? Eu tenho o domínio do site. Como ele fará isso? Talvez para a Secretaria de Cultura seja um detalhe sem importância, que poderá ser descartado. Assim como poderá ser descartada a confecção dos Cadernos da Semana André Carneiro, ou qualquer outra ação que não seja proposta por ela própria. Minha duvida é se essas questões foram levadas em conta ao elaborar esse edital. Se a resposta for sim, significa que o papel do site como veículo de informação e consulta não tem valor algum para a Secretaria?

Dito isso espero, sinceramente, que esse ato impensado por parte da Secretaria de Cultura seja revisto. Que ela tenha a maturidade de cancelar esse edital e abrir espaço para o diálogo. Mesmo porque, o valor destinado não necessita de processos licitatórios e concorrências, podendo acontecer com contratação direta, como vinha sendo feito anteriormente e como ocorre com outras atividades artísticas. Outra dúvida. Todos os pagamentos que incorrem na contratação direta estão sendo feitos através de edital, ou é somente esse? Mais do que tomar decisões vingativas e autoritárias, é necessário pensar no que é melhor para a cidade. De minha parte saliento que a 7ª Semana André Carneiro acontecerá, com Prefeitura ou sem ela, e nesse caso teremos duas Semanas André Carneiro acontecendo simultaneamente: Uma verdadeira (a que sempre existiu) e outra fajuta (sem a legitimidade dos envolvidos). Nada mal para um evento que se propõe a divulgar o nome de um artista que, com sua arte, nunca se furtou aos embates e polêmicas contra as arbitrariedades de plantão, denunciando de forma contundente e poética as agruras do poder.

Com revolta e indignação
Márcio Zago – Fundador do Garatuja, autor do livro “Expressão Gráfica da Criança” e curador da Semana André Carneiro.

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