Carta de Repudio ao Edital da Secretaria de Cultura
7ª
Semana André Carneiro
Em 2013 propus à Secretaria de Cultura a realização da
Semana André Carneiro. Na época o assunto foi tratado com o diretor de Cultura
Charles Giraldi que tinha Luís Otávio Frittoli como Secretário de Cultura. Até
então André Carneiro era pouco conhecido em Atibaia, mesmo sendo o artista atibaiense
de maior influência na cultura local. A ideia
inicial do evento surgiu num dos encontros realizados na casa do André Carneiro,
aqui em Atibaia, quando ele vinha juntar-se a Lina e aos filhos para passar as
festividades de final de ano, ocasiões em que era convidado a visita-lo. Nesses
encontros tomou corpo a ideia de tornar seu nome mais conhecido em sua terra
natal. Tempos depois apresentei uma proposta ao Diretor de Cultura citado acima.
Ele, com entusiasmo, acolheu a ideia e apresentou outras sugestões que foram
incorporadas ao projeto. Propúnhamos criar um evento anual, para marcar o nome
do homenageado, mas que contasse ainda com a participação de outros artistas através
de concursos, convites e festivais nas áreas de atuação de André Carneiro: literatura,
pintura, fotografia e cinema.
Ficou acordado que eu faria a curadoria do evento, cuidando
do material referente à obra do homenageado, pesquisando, escrevendo e
produzindo texto, mostras e exposições que tinham como intenção apresentar para
a cidade sua rica e diversificada obra, contando sempre com o auxilio de seu filho
Maurício Carneiro. A Secretaria de Cultura cuidaria da infraestrutura
necessária, do apoio financeiro e da viabilização da participação dos demais
artistas. Seria uma parceria entre eu (Garatuja) e a Prefeitura de Atibaia.
A primeira Semana André Carneiro ocorreu dessa forma, em
2014, com ampla participação da Secretaria de Cultura. O Centro de Convenções
estava em reforma e o evento teve lugar no palco do CIEM, contando com a
presença do próprio André Carneiro que recebeu das mãos do então chefe de
Gabinete, Dr. Luiz Benedito Roberto Torricelli (representando o Prefeito Saulo
Pedroso) uma placa de agradecimento pelos serviços prestados à cidade. Momento
de extrema emoção para o artista e demais presentes. Meses depois André
Carneiro faleceu.
No ano seguinte a Semana AC aconteceu no Centro de Convenções
Victor Brecheret, mas com novo Secretário de Cultura: Cleber Centini. A mudança
ocorrida pouco antes do evento inviabilizou uma participação maior da
Secretaria de Cultura na elaboração da programação daquele ano. Para não parar logo no segundo ano do evento,
resolvi fazer a minha parte, organizando o evento sozinho, focando no trabalho
do artista, mas contando com apoio financeiro da Prefeitura (R$ 2.000.00). Infelizmente
situações semelhantes acorreram nas edições seguintes. Vale destacar que a partir
daquele ano cada nova edição da Semana AC era tradada com um novo Secretário de
Cultura, fato que dificultava qualquer entendimento sobre a participação da
Secretaria de Cultura na formulação do evento. Mesmo assim continuei fazendo a
minha parte. Em 2016 o então vereador Paulo Catta Preta, entendendo o valor da
iniciativa e do artista citado conseguiu oficializar a Semana André Carneiro
fortalecendo sua realização. Em 2018 um novo espaço cultural ganhou o nome de Centro
Cultural André Carneiro. Um reconhecimento da sua importância para o município,
fato diretamente ligado à realização da Semana André Carneiro, no qual tenho
grande orgulho de ter sido o principal articulador. Fazia parte do projeto
original, apresentado em 2014, à criação de um site sobre a Semana, onde
pudéssemos reunir as informações e disponibilizar aos interessados. E assim foi
feito. A princípio, a criação e execução seriam a cargo da Secretaria de
Comunicação, mas depois de várias tentativas frustradas, percebemos a
inviabilidade dessa ação da maneira como pretendíamos. Decidimos então que
seria melhor realizar o site pelo Garatuja. Além do site criei ainda um blog e
uma página nas redes sociais. Todo esse material foi produzido por mim, do layout
aos textos, que incluiu pesquisas e muita leitura. Com o tempo outros amigos
passaram a influir na realização da Semana. Cito o editor Silvio Alexandre,
Gilberto Sant’Anna, Juliana Gobbe, Carlos Alberto Pessoa Rosa, Araceles Stamatiu,
Nelson de Souza e mais recentemente tivemos a participação da FAAT através da Marta
Alvim e do Osni Diaz. Durante as seis edições realizadas até aqui aconteceram
exposições, lançamentos, exibições, palestras, publicações, debates e apresentações
envolvendo inúmeros participantes, incluindo alunos de escolas públicas e
demais interessados. Só na 5ª edição tivemos cerca de 800 pessoas atingidas
diretamente no evento.
7ª Semana André Carneiro
Para esse ano, como aconteceu em anos anteriores, imaginava
que um ofício seria necessário para confirmar a realização do evento. Desde o
final do ano já me preparava para essa edição, inclusive agendando palestras
que seriam realizadas em maio. Nesse tempo vi que a Secretaria de Cultura tinha
aberto um edital de chamamento para ocupação dos espaços públicos que começaria
a vigorar a partir desse ano. Em dúvida indaguei (informalmente) a Diretora de
Cultura Carla Natal, se a Semana André Carneiro também se enquadrava nesse
edital, necessitando apresentar projeto. Não tive resposta. Depois de alguns
dias enviei um e-mail, solicitando um encontro com a Secretaria de Cultura a
fim de criar a programação e começar os preparativos para essa 7ª edição. A
resposta veio curta e grossa:
“A Secretaria de Cultura elaborou um edital específico para
a Semana André Carneiro 2020. Publicação da Imprensa Oficial, edição n°2162 de
25 de janeiro de 2020 com errata na edição n°2163 de 29 de janeiro”.
Essa foi a resposta. A Secretaria de Cultura elaborou um
edital de chamamento para a realização da 7ª Semana André Carneiro por sua
conta, ignorando todo o histórico de realizações ocorrido até então. Sem sequer
ter a delicadeza de nos comunicar, numa atitude injusta e antiética. Com qual
intenção? Descartar os realizadores e colocar quem é de seu agrado? No momento
em que a Secretaria de Cultura lança esse edital sem consultar os principais
interessados fica claro o total desprezo pelas pessoas que conduziam o processo.
Se a intenção era mudar a forma de contratação qual o problema em dialogar com
todos os envolvidos? Porque fazê-lo de forma tão autoritária? Esses
posicionamentos, com ares de normalidade, assumidas pela Secretaria de Cultura
só reforçam a visão distorcida de seus dirigentes que resistem a qualquer
tentativa de se criar uma política pública, onde as decisões sejam divididas
com o conjunto da sociedade civil. Preferem o atendimento de balcão, onde
podem, com sorrisos e postagens, atender a todos com simpatias e favorecer quem
lhes convém. Sempre no varejo e nunca no
atacado, como deveria ser uma política pública de verdade. Digo isso porque os
editais são ações jurídicas de grande importância num contexto democrático,
onde o poder público tem a oportunidade de elaborar propostas junto com a
sociedade civil, imprimindo legitimidade ao certame, conforme diz a LEI
COMPLEMENTAR Nº 798, DE 19 DE MARÇO DE 2019, que Institui o Conselho Municipal
de Política Cultural de Atibaia - Artigo 3º - Ao Conselho Municipal de Política
Cultural de Atibaia compete:
XII - Elaborar em conjunto com a Secretaria Municipal de
Cultura, anualmente, os editais públicos que regulamentarão:
a) A forma de financiamento dos projetos culturais a serem
apresentados;
b) A ocupação dos próprios públicos destinados às atividades
artísticas, respeitando seus regimentos internos, bem como o calendário oficial
do Município que demande o uso de tais espaços garantindo a reserva de, no
mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) para produção local;
c) Os prazos de recebimentos, julgamentos, aprovações ou
reprovações, confirmação ou desistência, tanto dos projetos de financiamentos
quanto as propostas de ocupação dos próprios públicos.
Lembrando que o Conselho de Cultura encontra-se em pleno
funcionamento, portanto nada justifica que esse edital tenha sido elaborado a
revelia desse importante instrumento de participação popular. É juntamente com o
Conselho de Cultura que devem ser elaborados todos os editais da Secretaria de
Cultura, desde sua formulação até o acompanhamento da prestação de contas. É lá
que a sociedade civil poderá fiscalizar, opinar e influir na indicação, por
exemplo, de juris credenciados, com conhecimentos específicos de áreas para
escolher os melhores projetos artísticos a serem desenvolvidos na cidade, e não
deixar uma etapa tão importante como esta somente a cargo da Secretaria de
Cultura, como esta prevendo o Edital recém publicado, além de outros problemas apresentados.
O sucesso da Semana AC só não foi maior porque faltou o
envolvimento mais efetivo da Secretaria de Cultura, conforme ocorreu em sua
primeira edição. O fomento a participação de outros artistas dependia de
acordos elaborados com a Secretaria de Cultura, que não aconteceram por razões
diversas. Uma delas foi a constante mudança de Secretários de Cultura ao longo
dessa gestão. A cada mudança era necessário um exaustivo trabalho de informação
e convencimento sobre o tema, que acabava sempre na decisão: “Esse ano vamos
fazer mais simples, ano que vem agente capricha”. Fato que nunca ocorreu porque
no ano seguinte era outro Secretário e a ladainha era a mesma. Durante as seis
edições da Semana André Carneiro realizadas até aqui foram os seguintes
Secretários que passaram pela pasta. Cada um falando uma língua.
1a Semana (2014) – Secretário Luís Otávio Frittoli
2a Semana (2015) – Secretário Cléber Centini
3a Semana (2016) – Substituindo a vacância do Secretário de
Cultura assumiu o servidor público Silvio...
4a Semana (2017) – Secretária Viviane Cocco
5a Semana (2018) – Secretário Rui Tiago Oliveira
6a Semana (2019) – Secretário interino Bruno Perrota Leal e
depois Roberta Engle Barsotti de Souza
Podemos citar outros Secretários que passaram pela pasta,
mas sem participação direta nessa proposta como Jaime Santos e Alessandro
Sabella. Eu pergunto. É possível desenvolver algo consistente nessas condições?
Quem consegue fazer um trabalho de continuidade (que inclui acertos e erros) nesse
clima? O que um decide hoje, não serve para o próximo amanhã. É um eterno
recomeçar. Minha tentativa até aqui, em relação à Semana André Carneiro, foi
cobrar e cumprir o que foi acordado com o primeiro Secretário de Cultura, que eu
imaginava ter o aval do Prefeito Saulo Pedroso. E aqui vai uma duvida que só ele
pode responder. Melhor do que ninguém o Prefeito Saulo Pedroso sabe da
importância dos planos e metas de ação numa gestão pública. Fato que ele faz
com muita competência. Mas e na Cultura? Quando tratei pela primeira vez sobre
a Semana André Carneiro, estabelecendo metas a médio e longo prazo, eu estava
falando com um Secretário de Cultura que representava um programa do governo
Saulo Pedroso, ou estava falando com um Secretário que respondia por conta própria?
Segundo suas próprias convicções? Não foi essa a impressão que tive, ao ver o
entusiasmo por parte do poder público na solenidade de abertura da 1ª Semana
AC. Na ocasião senti um grande envolvimento e comprometimento pela causa, fato
que não ocorreu nos anos seguintes (com exceção da Secretária Viviane Cocco).
Infelizmente. Essa inconsistência de representação favorece uma relação conflituosa
de disputa entre quem produz cultura e quem deveria fazer sua gestão. Isso é
péssimo porque passamos a ser vistos como concorrentes a serem eliminados pela
própria Secretaria, que deveria fornecer os meios de realização das propostas
apresentadas. Vejamos no caso específico desse edital. O que leva a Secretaria
de Cultura a pensar que tem posse do evento e tomar decisões unilaterais? O
fato de a Semana André Carneiro ter sido oficializada? Quer dizer que se
oficializou, virou posse da Secretaria de Cultura? Essa lógica vai frontalmente
contra tudo que deu certo até aqui em termos de eventos que apresentam continuidade
de ações. Exemplo o Salão de Humor de Piracicaba que existe a mais de quarenta
e cinco anos, extrapolando todas as gestões que passaram pela cidade de
Piracicaba, tornando-se o principal evento cultural da cidade. Isso é possível
porque o Salão mantém um grupo de organizadores que trabalham independentes dos
humores políticos. São eles que estabelecem as diretrizes do Salão, mantendo
uma linha original de conduta, dando coerência e unidade ao evento, mesmo com a
alteração política partidária que comumente acontece. Lembrando que nesse grupo
figuram pessoas de área, profundamente identificadas com a linguagem do humor e
extremamente competentes, daí o sucesso que tem. São práticas comuns nos
eventos de continuidade e outros exemplos não faltam. Se o fato da
oficialização da Semana André Carneiro, ou seja, dele passar a figurar no
calendário cultural oficial do município, for desculpa para a Secretaria de
Cultura tomar posse do evento eu pergunto: Todos os demais eventos
oficializados têm, ou terão, o mesmo tratamento? Porque então a Secretaria de
Cultura, na gestão Saulo Pedroso, nunca realizou o Encontro de Artes Plásticas
de Atibaia? Esse foi o segundo evento oficializado em Atibaia, sua criação é de
1968, entretanto nunca recebeu a devida atenção por parte deste governo. O
último aconteceu em 2012. Os Encontros de Artes Plásticas tiveram grande
importância cultural para o município, abrindo as festividades de aniversário
da cidade durante muitos anos. Para quem não sabe o Encontro também era realizado
por uma comissão, formada por três pessoas da sociedade civil. Eram eles que,
em conjunto com a oficialidade local, realizavam o evento. O Encontro perdeu
muito de sua força justamente quando deixou de existir as comissões, passando a
ser realizada somente pela Secretaria de Cultura. A mesma visão equivocada se
repete na atual Secretaria de Cultura em relação à Semana André Carneiro. Pretendem
tirar a autonomia da sociedade civil na elaboração do evento e transferi-la para
a oficialidade, que sabemos de antemão, não dará certo. Prova é que já começa com
sérios problemas na própria premissa deste edital, revelando total
desconhecimento pelo tema e outros fatores condicionantes. Sem a participação
de quem domina o assunto à tendência é criar editais Frankstein como esse, que
foi elaborado de forma superficial, com propostas que levam a uma única
certeza: a desconstrução do que foi feito. Ao inserir novos realizadores, que
dificilmente terão conhecimento sobre o assunto, além do que já foi divulgado
por essa mesma Semana AC, o que teremos serão ações isoladas. Será mais um
evento de fachada, pra cumprir tabela, para enganar os incautos e satisfazer os
egos. Uma colcha de retalhos sem unidade e coerência. Lembrando que os
possíveis ganhadores do edital poderão ser diferentes a cada ano, dificultando
ainda mais essa unidade. Tudo no jeito para os captadores de recursos
oportunistas de plantão, que sabemos, não estão nem aí com o conteúdo, mas são
ótimos para fazer “projetos” e abocanhar recursos. Ao descartar seus
realizadores originais o que ocorrerá é a desmobilização dos envolvidos, o
enfraquecimento da sua continuidade e o fim de um trabalho que já existia há
seis anos, com muito esforço e dedicação. Qual a lógica dessa atitude? Porque
interferir em algo que vinha dando certo? Este ano a programação marcaria os
setenta anos de um evento de grande importância cultural para o município,
muito pouco conhecido. A pesquisa, que estava sendo desenvolvida por mim e
Maurício Carneiro, poderá não mais ser aproveitada, uma vez que contávamos com
o apoio da Prefeitura, portanto se a intenção era eliminar a minha pessoa, o
edital atinge a todos os demais envolvidos no projeto e prejudica, principalmente,
a cidade de Atibaia, que poderá não mais contar com o evento daqui alguns anos.
Outras dúvidas que tenho em relação a esse edital. Como fica
o site, o blog e demais veículos de informação, que são partes fundamentais da
curadoria autorizada pelos herdeiros legais? Eles são totalmente produzidos e
mantidos por mim, como mencionado acima. O ganhador do edital fará esse
trabalho? Eu tenho o domínio do site. Como ele fará isso? Talvez para a
Secretaria de Cultura seja um detalhe sem importância, que poderá ser
descartado. Assim como poderá ser descartada a confecção dos Cadernos da Semana
André Carneiro, ou qualquer outra ação que não seja proposta por ela própria. Minha
duvida é se essas questões foram levadas em conta ao elaborar esse edital. Se a
resposta for sim, significa que o papel do site como veículo de informação e
consulta não tem valor algum para a Secretaria?
Dito isso espero, sinceramente, que esse ato impensado por
parte da Secretaria de Cultura seja revisto. Que ela tenha a maturidade de
cancelar esse edital e abrir espaço para o diálogo. Mesmo porque, o valor
destinado não necessita de processos licitatórios e concorrências, podendo
acontecer com contratação direta, como vinha sendo feito anteriormente e como
ocorre com outras atividades artísticas. Outra dúvida. Todos os pagamentos que
incorrem na contratação direta estão sendo feitos através de edital, ou é
somente esse? Mais do que tomar decisões vingativas e autoritárias, é
necessário pensar no que é melhor para a cidade. De minha parte saliento que a
7ª Semana André Carneiro acontecerá, com Prefeitura ou sem ela, e nesse caso
teremos duas Semanas André Carneiro acontecendo simultaneamente: Uma verdadeira
(a que sempre existiu) e outra fajuta (sem a legitimidade dos envolvidos). Nada
mal para um evento que se propõe a divulgar o nome de um artista que, com sua
arte, nunca se furtou aos embates e polêmicas contra as arbitrariedades de
plantão, denunciando de forma contundente e poética as agruras do poder.
Com revolta e indignação
Márcio Zago – Fundador do Garatuja, autor do livro “Expressão
Gráfica da Criança” e curador da Semana André Carneiro.
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