segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Um conto de César Mêmolo Júnior

A 3a Semana André Carneiro, que aconteceu em 2016, foi dedicada a César Mêmolo Júnior. Sua contribuição a cultura extrapola os limites de Atibaia, local onde ocorreu suas primeiras inserções na literatura, na poesia e no cinema. César Mêmolo Júnior faz parte da história do audiovisual brasileiro, principalmente paulista, por sua atuação junto a LinxFilm, atuando nas áreas de publicidade, animação comercial e cinematográfica. Em Atibaia, junto com André Carneiro e Dulce Carneiro, criou o Jornal Literário Tentativa. O conto abaixo foi publicado no quinto número, em dezembro de 1949. 

O Filho do Pastachuta


Diziam: “Olha o filho do Pastachuta!”  Nério examinava Márcia, Rubens, Eduardo, sua mãe, se divertindo com a expressão de seu rosto. Durante muito tempo a frase mantivera um efeito dissolvente sobre sua alegria. Bastava ouvi-la, para sentir-se humilhado e encerrar-se num sufocante mutismo. No inicio pensou: “Será brincadeira...”Mas, com o correr dos dias, a frase se generalizou, e até os estranhos a empregavam. Era só cometer uma falta e já diziam: “Olha o filho do Pastachuta”. Uma vez Márcia perguntou: “Nerinho, lembra do Pastachuta? “É seu pai, que há anos trouxe você pra morar conosco...”. Todos o olhavam com ternura, e nos lábios levemente entreabertos, havia um sorriso despontado. Não respondeu. As gargalhadas então surgiram e enquanto a irmã o abraçava. Rubens, Eduardo e sua mãe se agitavam nas poltronas. Nério fugiu. E no quintal, sozinho, sentiu o peso da revelação. Um mundo vasto de apreensões se descortinara para ele. Uma insegurança inexplicável o amedrontava, e, pela primeira vez em sua vida, pressentiu a ineficácia de suas lágrimas. Não conhecera seu pai. Não sabia quem era o Pastachuta. Destas duas realidades emergia a paternidade daquele estranho. Sondou os irmãos, perguntou timidamente à sua mãe de quem se tratava, e, como não lhe davam respostas, nem atenção, recorreu à empregada. As primeiras palavras desta, os contornos surgiram e depois se transformaram em sólidas recordações. Nério lembrou-se do Pastachuta. Era um velho italiano que, empurrando um carrinho de rodas frouxas carregado de frutas, percorria diariamente as ruas do Brás, onde tinham morado há pouco tempo. De barbas grisalhas, maltrapilho, a carne muito branca exposta nos rasgos da roupa, o pobre ficava sujeito a molecada que o seguia, arremedando seu modo de falar, imitando seu andar lento e arrastado, quando não atiravam sobre ele cascas de frutas ou outros objetos. Nério visualizou tudo. E reconstituiu o dia em que o velho se aproximou dele para apoiar a mão em sua cabeça e dizer: “meu filho”. Sim, ele o chamara “meu filho”. Quando voltaram a chama-lo de “o filho do Partachuta”, Nério fugia, e  durante horas vagava soturnamente pelo quintal, triste, calado. Uma noite, Eduardo apontou-o: “o filho do Pastachuta é quem vai buscar”. Os outros riram, apoiando a sugestão. Nério empalideceu, incapaz de se mover, com as palavras truncadas na boca. “Não sou filho do Patachuta, não sou.”, pensava. Tentou falar. Os argumentos porém se desfaziam na sua mente, e ele sentia-se incapaz de enfrentar a todos, negando aquilo de que ele se convencera.  A voz lenta do Pastachuta, chamando-o “meu filho”, aquela mão suja e magra que se apoiara na sua cabeça, a molecada o perseguindo na rua, todas as reminiscências se avivavam. As lágrimas surgiram nos olhos de Nério. Finalmente livre,  Nério gritou como podia, entre soluços que lhe sacudiam o corpo: “é mentira. O Pastachuta não é meu pai. Não é...não é...”. Mais tarde foram procurá-lo e fizeram promessas conciliadoras, cercaram-se de desusados carinhos. Hoje, o Pastachuta talvez tenha morrido. Nério não sabe. E os outros, esses nem lhe falam dele...

domingo, 18 de dezembro de 2016

Agora é oficial !

O Projeto de Lei que instituiu a Semana André Carneiro no calendário cultural do município de Atibaia foi aprovado por unanimidade pelos vereadores presentes na Sessão da Câmara que aconteceu dia 5 de dezembro de 2016. O projeto de lei é de autoria do vereador Paulo Fernando Serrano Catta Preta, do PV. O Projeto de Lei agora é a Lei 4.475, de 15 de dezembro de 2016 e foi publicada na Imprensa Oficial do Município na edição 1.846. Essa iniciativa contribuirá para a continuidade da proposta, oferecendo respaldo institucional e condições efetivas para pleitear dotação orçamentária junto ao município. A limitação financeira foi um dos fatores que impediram, até agora, a implantação da Semana André Carneiro como previsto em sua concepção original. Nela a participação dos artistas locais e regionais, através de mostras, concursos e editais, seriam de suma importância para a expansão e envolvimento da cidade em suas atividades.




As edições anteriores...


No centro (de pé) André Carneiro
e ao lado (de paletó) o Prof. Mustafá Ali Kanso. 
A 1ª Semana André Carneiro aconteceu em 2014, no Ciem – Centro Integrado de Educação Municipal. A Semana foi aberta pelo escritor Nelson de Souza, que falou sobre a trajetória artística do amigo André Carneiro. Também foi inaugurado o ExpoRua, formado por oito painéis expositivos com informações referentes à vida e obra de André Carneiro. O ExpoRua circulou por diversos bairros da cidade. No dia seguinte o Prof. Mustafa Ibn Ali Kanso realizou a palestra “As Dimensões Criativas de André Carneiro”. O destaque foi a presença do próprio homenageado, então com 92 anos de idade, que recebeu das mãos do chefe de Gabinete, Dr. Luiz Benedito Roberto Torricelli, representando o Prefeito Municipal de Atibaia Saulo Pedroso, uma placa de reconhecimento do município pelo trabalho realizado em Atibaia. Esse ato simbólico foi recebido de forma calorosa por André, que retribuiu numa emocionada declaração de amor à sua terra natal. Essa foi sua última visita a Atibaia, vindo ele a falecer meses depois. Na ocasião houve ainda uma pequena mostra dos livros de sua autoria. As obras passaram a fazer parte do acervo das bibliotecas públicas da cidade, que até então dispunham de poucas edições.


Palestra de Silvio Alexandre 
A 2ª Semana André Carneiro ocorreu em 2015 com a primeira exibição pública do site da Semana no Centro de Convenções Victor Brecheret. No saguão de entrada foi montado o ExpoRua, local onde houve a leitura de alguns poemas de André pelos escritores Carlos Alberto Pessoa Rosa e Euclides Sandoval, além da performance Esfera Cerrada, encenadas pelas meninas do Corpo Municipal de Dança de Atibaia. Ainda no saguão aconteceu o lançamento da primeira edição do Caderno da Semana e a abertura da exposição Arte Fotográfica de André Carneiro, que destacou as imagens presentes no livro Fotografias Achadas, Perdidas e Construídas. No palco uma pequena palestra do editor Silvio Alexandre sobre a obra do homenageado. Contamos também com a presença de Mauricio Carneiro, filho de André, que falou sobre o pai e a realização do evento. A Semana teve continuidade com a mostra O Cinema Nacional de Ficção Científica. Na programação, filmes raros e cultuados entre os aficionados do gênero. Essa proposta estava presente em função do homenageado ter estreita ligação com o tema. Outra ação desenvolvida em 2015 foi a circulação do ExpoRua por diversos bairros da cidade, com destaque para a montagem na FAAT – Faculdades Atibaia, espaço que conta com estudantes de diversas áreas e principalmente alunos do curso de artes visuais. Uma das propostas da Semana André Carneiro, a médio e longo prazo, é inseri-la na vida estudantil e acadêmica da região, forma de perpetuar a obra de André às futuras gerações.

Mostra As Capas do Tentativa
A 3ª Semana André Carneiro aconteceu em setembro de 2015, com a mostra A Arte Fotográfica de André Carneiro  no saguão da Câmara Municipal. No Centro de Convenções foi aberta a mostra Capas de Tentativa, que reproduziu as treze capas da edição do jornal literário Tentativa, produzido em Atibaia por André Carneiro, César Mêmolo Junior e Dulce Carneiro entre 1949 e 1951. Aconteceu também a abertura da exposição André Carneiro Fotografias, com fotos que integram o livro com o mesmo nome. O livro, editado pela Secretaria de Estado do Paraná através da Lei de Incentivo à Cultura de Curitiba, foi lançado com exclusividade nessa 3ª edição da Semana. Outra obra inédita de André Carneiro lançada nesse evento foi Teorema das Letras, da Editora Devir. Seu quinto livro de contos, Teorema das Letras é a primeira publicação póstuma, reunindo a última fase da sua produção. A Revista da Semana número 2 também foi lançado na ocasião. Nela matérias sobre o Jornal Literário Tentativa e principalmente sobre o trabalho de Cesar Mêmolo Jr. Ele foi lembrado nessa 3a Semana pelo trabalho junto ao jornal literário e outras ações de grande importância para a cidade como a criação da Biblioteca Municipal, a Primeira Exposição de Arte Moderna de 55, etc. Fechando a noite aconteceu a leitura de poemas de André Carneiro pelo multimídia Euclides Sandoval e a participação do Grupo de Choro da Fama. Por fim o depoimento dos filhos de André Carneiro, Mauricio e Henrique, que falaram sobre o pai e a realização da Semana. A programação continuou com a mostra O Cinema Nacional de Ficção Científica e a Mostra Linxfilm, nas dependências do Instituto Garatuja. O destaque dessa edição foi a disponibilização de todas as edições do Jornal Tentativa no site da Semana, incluindo o número treze, que poucos conheciam. Está disponível também o trabalho acadêmico do pesquisador Osvaldo Duarte sobre o jornal. Ações de suma importância para divulgação da obra de André Carneiro.

Élsie da Costa, do Instituto Garatuja, o vereador Paulo Catta Preta
e Maurício Carneiro (de costas).


















O Instituto Garatuja e os familiares do André Carneiro agradecem a prontidão e seriedade do vereador Paulo Catta Preta, ao somar esforços no sentido de legitimar a importância do artista e sua obra para a cidade de Atibaia. A Semana André Carneiro tem a realização do Instituto de Arte e Cultura Garatuja e da Prefeitura da Estância de Atibaia, através da Secretaria de Cultura e Eventos.