domingo, 4 de junho de 2017

O Grito

Ainda adolescente, começando a escrever, aprendi com André Carneiro que o autor não é obrigado a ter um domínio total de seu personagem, em qualquer texto de ficção. Quem é, de onde surge, por que entra ou sai de cena, o que faz e para onde vaia, não exige lógica e nem sempre precisa ficar explícito no enredo. Não se dispensa, entretanto, criatividade e estética na linguagem.
Décadas depois, no livro A Máquina de Hyerónimus e outras histórias, do André, li O Grito, conto que me chamou a atenção e resumo em seguida:
Como esses amoladores de facas que gritam pelas ruas, oferecendo seus serviços de porta em porta, uma voz, forte e sonora, parecendo vender alguma coisa, era ouvida, em meio ao ruído e buzinas de carros, atraindo o interesse de um casal. Especialmente do marido que passou a ter verdadeira fixação naquele fato, embora não entendesse o que era falado; às vezes, só uma única vez, outras repetidamente, ora de forma curta, ora num som mais melodioso e prolongado.
A mulher ocupada com os afazeres de casa chegava até a se desligar daquela neurose do companheiro, sempre a espera de conseguir identificar o dono da voz, que poderia surgir a qualquer hora, de manhã ou a tarde e em dias seguidos ou alternados. Acontece que suas tentativas para vê-lo, ou identifica-lo através de vizinhos, sempre falharam. Por mais próximos que parecesse o grito, e mais rápido que saísse de casa, nunca o encontrou e as informações das pessoas próximas apontavam, comumente, os mesmos ambulantes que ele também já conhecia. Da última vez que saiu correndo atrás do misterioso vendedor, nunca mais voltou, deixando a mulher que “continuou pondo bobs nos cabelos, até ficarem completamente brancos” (obra citada, pág 60)
Na última visita que fiz ao amigo, aproximadamente um ano antes de sua morte, perguntei-lhe quem era o estranho que gritava e porque o homem que queria encontra-lo, sumiu! Ele, ator que era, assumiu ares de que estávamos falando de algo realmente acontecido, respondeu:
-Bem, foi como contei! Sinceramente, eu também não tenho outras informações!

Nélson de Souza é escritor e poeta, autor do livro Esculturas de Espuma

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Como foi a 3a Semana André Carneiro


A 3ª Semana André Carneiro aconteceu de 16 a 22 de setembro de 2016, mas alguns eventos tiveram inicio já no inicio do mês visando aumentar sua abrangência. Dia 05 de setembro começou a exposição A Arte Fotográfica de André Carneiro, no saguão da Câmara Municipal de Atibaia. Essa exposição já tinha sido montada na edição passada, mas foi reeditada visando atingir novo público. Nesse dia também foi disponibilizado, através desse site, as treze edições do Jornal Literário Tentativa, principal tema dessa edição. Até então, o acesso ao jornal se restringia a quem pesquisasse em arquivos especializados ou tivesse em mãos um dos exemplares fac-símiles editados em 2006. A partir dessa data Tentativa está disponível a quem quiser conhecer um dos maiores bens cultural produzido até hoje em Atibaia. Destaque para o fato dos interessados poderem acessar também o último número (13), até então desconhecido por grande parte de seus admiradores, e isso graças ao empenho de Osvaldo Duarte, o maior estudioso da obra poética de André Carneiro. Foi ele quem cedeu uma de suas cópias. Osvaldo também enviou texto introdutório e um índice com as matérias publicadas no jornal. É um mapeamento, número a número, de todas as edições de Tentativa. Material de suma importância para pesquisadores e demais interessados. Todo esse material está disponível para consulta aqui. No dia 16 de setembro, no Centro de Convenções, foi aberta oficialmente a Semana AC com a mostra Capas de Tentativa, que reproduziu as treze capas da edição do jornal literário. Aconteceu também a abertura da exposição André Carneiro Fotografias, com fotos que integram o livro com o mesmo nome. O livro, editado pela Secretaria de Estado do Paraná através da Lei de Incentivo à Cultura de Curitiba, foi lançado com exclusividade nessa 3ª edição da Semana. Outra obra inédita de André Carneiro lançada nesse evento foi o livro Teorema das Letras, da Editora Devir. Seu quinto livro de contos, Teorema das Letras é a primeira publicação póstuma, reunindo a última fase da sua produção. A Revista da Semana número 2 também foi lançada na ocasião. Nela matérias sobre o Jornal Literário Tentativa e principalmente sobre o trabalho de Cesar Mêmolo Jr. César foi lembrado nessa 3a Semana pelo trabalho junto ao jornal literário e outras ações de grande importância para a cidade como a criação da Biblioteca Municipal, a Primeira Exposição de Arte Moderna de 55, etc. Fechando a noite de abertura aconteceu à leitura de poemas de André Carneiro pelo multimídia Euclides Sandoval e a participação do Grupo de Choro “Vou Vivendo”, com Rafael Cardoso no violão, Marcelo Alvim no clarinete e Vitor Zago na percussão. Por fim o depoimento dos filhos de André Carneiro, Mauricio e Henrique, que falaram sobre o pai e a realização da Semana. A programação continuou no dia seguinte com a mostra O Cinema Nacional de Ficção Científica e a Mostra Linxfilm, nas dependências do Instituto Garatuja com a exibição dos filmes “O Efeito Ilha” e “Parada 88”. Em seguida filmes que marcaram a Linxfilm, fundada em 1958 por César Mêmolo Jr., conceituada produtora nacional no campo da publicidade, além de pioneira no ramo da animação comercial e incentivadora da cinematografia paulista. Entre os filmes que foram exibidos na Mostra Linxfilm está o raro “Vozes do Medo”, além de “Osso, Amor e Papagaio”, “As Filhas do Fogo” e “O Seminarista”. Como destaque de 2016 fica o fato da Semana André Carneiro passar a fazer parte do calendário cultural oficial da cidade de Atibaia através do Projeto de Lei apresentado pelo vereador Paulo Fernando Serrano Catta Preta, do PV. O projeto foi aprovado por unanimidade na Sessão da Câmara do dia 5 de dezembro de 2016. O projeto de lei foi sancionado pelo Prefeito Saulo Pedroso e agora é a Lei 4.475, de 15 de dezembro de 2016, publicada na Imprensa Oficial do Município na edição 1.846. Essa iniciativa contribuirá para a continuidade da proposta, oferecendo respaldo institucional e condições efetivas para pleitear dotação orçamentária junto ao município. A limitação financeira foi um dos fatores que impediram, até agora, a implantação da Semana André Carneiro como previsto em sua concepção original. Nela a participação dos artistas locais e regionais, através de mostras, concursos e editais, seriam de suma importância para a expansão e envolvimento da cidade em suas atividades.




































Fotos de Ana Cristina Miguez