domingo, 5 de maio de 2019

Uma tentativa tentadora para nos atermos hoje em dia.

Henrique Carneiro














As gerações se sucedem na terra tentando compreender o mundo e, assim, quem sabe, buscar transformá-lo. Os artistas e os escritores costumam se aglutinar em torno a veículos de transmissão e debate das ideias. Os jornais e revistas literárias assumiram nos tempos modernos o papel de espaços privilegiados na formação da esfera pública. Esta se constituiu no debate teórico ético, estético e filosófico, na força dos argumentos e na racionalidade dos projetos políticos em sua disputa pela persuasão pública. No Brasil, houve algumas importantes iniciativas nesse sentido, desde os tempos da semana de arte moderna de 1922, em São Paulo. No período do segundo pós-guerra, uma geração traumatizada pelos horrores do pior conflito da história da humanidade, tentou, em Atibaia, criar um foco de natureza crítica e criativa que inspirou o lançamento do jornal Tentativa. Meu pai, André Carneiro, minha tia Dulce Carneiro, e o cineasta César Mêmolo Jr. foram os principais impulsionadores deste jornal que marcou uma época. Num cenário global do pós-guerra, diante das inovações tecnológicas, dos questionamentos estéticos e dos debates culturais, essa publicação reuniu artistas plásticos, escritores, poetas e cineastas que viviam num país em transformações profundas, em que uma estrutura secular de atraso e de desigualdades ancorava o país numa resistência aos anseios de liberdades, igualdades e modernidade que vicejavam especialmente entre os mais jovens.
O tema que animara os artistas paulistas que buscaram na semana de 1922 a sua identidade comum num país ainda imerso no ruralismo, no provincianismo e na inércia, continuou presente no jornal Tentativa, em Atibaia. Essa inquietação era em relação ao desafio de se modernizar, entendendo isso não só como a adoção de novas tecnologias, mas, sobretudo, como a necessidade de uma nova cultura, aberta ao intercâmbio planetário, despertada na sua efervescência transformadora, como um instrumento de agitação criativa e de novas mentalidades. O cenário cultural de Atibaia foi, assim, sacudido por um grupo de jovens conectados com o seu tempo e insatisfeitos diante do horizonte limitado de sua cidade, do seu país e do seu mundo. Por meio dos tipos móveis inventados por Gutemberg, imprimiram na tinta negra das tipografias as suas mensagens e as suas imagens, reunindo na pequena cidade paulista todo um cosmo de reflexões e de perplexidades. Para mim, criança criada em Atibaia, aqueles jornais velhos que meu pai guardava numa coleção encadernada traziam certo mistério, que me remetia a uma cidade do passado que eu não conhecera. Anos depois, esses exemplares foram reimpressos numa edição comemorativa, permitindo que todos possam hoje em dia manter sob os olhos e apalpar com as mãos essas páginas antigas, com gravuras e fotos amareladas pela pátina do tempo. Mais do que uma tentativa, foi uma realização. Não se tentou apenas, mas se reuniu num círculo social uma iniciativa que não foi somente o seu resultado impresso no papel, mas que permitiu a alguns expoentes do seu tempo poderem se encontrar e partilhar como geração das inquietudes, dos temores e das suas esperanças coetâneas. Que a leitura destas páginas seja fértil para os novos tempos dos amanhãs que cantam a música do futuro, que o outrora seja semente do vindouro, e que todos possam, assim, se atentarem para as tentativas que nos precederam.

Texto publicado no encarte "Tentativa - 70 anos" - O Atibaiense, maio de 2019

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