sexta-feira, 29 de março de 2024

Conheça César Memôlo Junior, o homenageado da Décima Primeira Semana André Carneiro













Silvio Alexandre foi grande amigo de André Carneiro e editor de seu romance mais desconcertante: "Amorquia" (1991). Para homenagear o centenário de nascimento de Carneiro organizou "Amorquia, Piscina Livre e outras Histórias" (2022), um calhamaço que reuniu dois romances, oito contos e três poemas do seu universo mais importante, o chamado Ciclo Libertário, publicado pela editora AVEC. A edição também contém a biografia mais completa de André Carneiro feita até o momento, além de uma bibliografia com mais de 300 de suas publicações no Brasil e no exterior.

Silvio Alexandre integra o Coletivo André Carneiro, que promove a Semana André Carneiro, evento oficial da cidade para homenagear o artista atibaiano e sua obra. Desta vez, em sua 11ª edição, a Semana André Carneiro faz um tributo a César Mêmolo Júnior, integrante do grupo de jovens entusiastas que realizaram importantes ações culturais em Atibaia, nos anos 1940 e 1950.

Silvio Alexandre mergulhou na pesquisa sobre o homenageado e apresenta agradáveis surpresas para todos os orgulhosos atibaianos, como eu. Esse resgate às personalidades que integraram o histórico cultural do município se faz cada vez mais necessário, em razão das rápidas mudanças que atravessa a cidade, e para nossa sorte contamos com pessoas como Silvio, que dia a dia se torna um grande conhecedor da história de Atibaia.

CÉSAR MÊMOLO JÚNIOR - O Cineasta de Atibaia, por Silvio Alexandre

No final da década de 1940, César Mêmolo Júnior era um dos jovens de Atibaia que buscavam trazer para a pequena cidade a contemporaneidade dos grandes centros. Junto de André Carneiro e sua irmã Dulce, fazia parte de um grupo de jovens entusiastas que realizaram uma série de ações que marcaram a identidade cultural da cidade para sempre.

Nascido no bairro do Brás, em São Paulo, em 09 de março de 1928, César Mêmolo Jr. (ou Cesinha como era chamado), cursou o Colégio Santo Agostinho e depois a Escola de Comércio Alvares Penteado. Em 1943 seu pai, o empresário César Mêmolo (1895-1984), muda-se para Atibaia e na cidade desenvolve sólida atuação empresarial e política. 

LETRAS E ARTES

Entre outras atividades, o pai de Cesinha assume oficialmente em 1945, a direção do jornal O Atibaiense (existente desde 1901), o que facilitou o lançamento do semanal Suplemento Literário Letras e Artes, em maio de 1948, idealizado por André Carneiro e César Mêmolo Jr., publicando poesia, crônicas, comentários críticos sobre, cinema, teatro, artes plásticas, estudos folclóricos, notas sociais e entrevistas com escritores.

Antes em 1946, os dois já haviam iniciado um pequeno acervo literário numa sala da Sociedade Amigos de Atibaia (SADA), criando a primeira biblioteca particular da cidade, aberto ao atendimento da população. O empreendimento cresce, sendo mais tarde doado ao SADA, em setembro de 1946, e transferido depois à Prefeitura, em setembro de 1951, dando origem a atual Biblioteca Pública Joviano Franco da Silveira.

TENTATIVA

Ligados e incentivados pelas novas correntes intelectuais europeias, César Mêmolo Jr. com André e sua irmã Dulce Carneiro criaram o Tentativa (1949), um jornal literário “de Atibaia para o Brasil”. A proposta era abastecer de atualidade a conservadora cidadezinha e colocá-la no mapa do mundo.

César Mêmolo Jr. recorda que na época “éramos um grupo de jovens em busca de opções intelectuais na cidade recém-transformada”. A proximidade com São Paulo e o fato do seu pai receber artistas e escritores em seu hotel Estância Lynce facilitou o contato com a vanguarda paulistana. Em seu primeiro número, Tentativa teve a apresentação do escritor Oswald de Andrade e o logotipo desenhado pelo pintor Aldemir Martins.

O jornal alcançou grande repercussão nacional e internacional, sendo considerado pela crítica na época um dos melhores jornais literários do Brasil, com correspondentes em centros culturais como Buenos Aires, Lisboa e Paris. E contava entre seus colaboradores os maiores nomes da literatura nacional da época, como Domingos Carvalho da Silva, Sérgio Millet, Oswald de Andrade, Murilo Mendes, Guilherme de Almeida, José Lins do Rêgo, Murilo Mendes, Vinícius de Moraes, Graciliano Ramos, Lêdo Ivo, Lygia Fagundes Teles, Ferreira Gullar, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Alberto Dines, Hilda Hilst e muitos outros.

CLUBE DE CINEMA DE ATIBAIA

Com a intenção de inaugurar um cineclube em Atibaia, César Mêmolo Jr. e os irmãos André e Dulce Carneiro promoveram a I Exposição Coletiva de Pintura em Atibaia. Com a colaboração de Ruth von Ockel Diem, da sessão de arte da Biblioteca Pública de São Paulo e organização do pintor Aldo Bonadei (um dos pioneiros no desenvolvimento da arte abstrata no Brasil), a abertura da exposição aconteceu no dia 28 de junho de 1950.

A Exposição contou com trabalhos originais de pinturas, gravuras, aquarelas, xilogravuras e fotografias de representativos expoentes da arte brasileira, como Oswald de Andrade Filho, Di Cavalcanti, Flávio de Carvalho, Anita Malfatti, Aldemir Martins, Sergio Milliet, Lívio Abramo, Oswaldo Goeldi e outros.

A mostra aconteceu no saguão do recém-inaugurado Cine Itá, e marcou o início das atividades do Clube de Cinema de Atibaia. Os filmes cedidos pela filmoteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo eram exibi dos todas as quartas-feiras, que ficaram famosas como Sessões Especiais de Cinema e Arte, sempre com debates ao final de cada exibição.

DIRETOR CINEMATOGRÁFICO

Atentos ao crescimento do movimento foto clubista brasileiro, César Mêmolo Jr. e André Carneiro intensificaram o interesse pelo cinema, participando do Cine Foto Clube Bandeirante, em São Paulo no início dos anos 1950. Mêmolo Jr. realizou filmes experimentais em 8 e 16 mm, com A olaria, A briga, A viúva, Saudade, Trágica Recordação entre outros. Já André participou de mostras internacionais conquistando prêmios e elogios com curtas-metragem como Estudo de continuidade e movimento (1950), Último encontro (1951) e Solidão (1951), com atuações de Mêmolo Jr. como ator.

Essa experiência no cinema amador iria marcar o destino de Mêmolo Jr. Em 1952, ele vai trabalhar na Cia. Cinematográfica Vera Cruz como assistente de direção de Abílio Pereira de Almeida no filme Candinho (1953), de Mazzaropi.

Em seguida, ganha uma bolsa de estudo para um curso de direção de cinema no Centro Sperimentale de Cinematografia, em Roma, Itália, com duração de dois anos, através do Consulado Italiano de São Paulo.

Conquistou o diploma de diretor cinematográfico com dois documentários: Dalle Tenebre al Mare (1955), sobre o maior teleférico da Europa, que transportou grandes cargas de pirita da cidade de Massa Marittima, região da Toscana, até o mar; e Pistóia (1956), sobre o cemitério onde foram enterrados os soldados brasileiros da Força Expedicionária Brasileira, que lutaram ao lado dos Alia dos na Segunda Guerra Mundial. Pistóia recebeu o Prêmio Estado de São Paulo (1957).

LONGA METRAGEM

Em seu retorno da Itália, César Mêmolo Jr. foi contratado pela Brasil Filmes, onde dirigiu e foi roteirista, com Carlos Alberto de Souza Barros, do premiado Ossos, amor e papagaios (1957). Foi um sucesso de crítica, mas um fracasso de público. Numa entrevista de 2006, para a tese de doutorado de Cybelle Tedesco, Lynxfilm -- uma contribuição à memória do audiovisual paulista, (Unicamp, 2015).

Ele relata: “Vim embora e dirigi o filme de longa metragem, Osso, amor e papagaios, baseado num conto do escritor Lima Barreto, A Nova Califórnia. Ele ganhou dois prêmios Saci, o Prêmio Governador do Estado e o Prêmio da Prefeitura, e foi um terrível fracasso de público”.

Desempregado então tinha duas opções: ser gerente do hotel do seu pai ou aproveitar o início da tevê para produzir filmes comerciais. Assim, comprou uma câmera, alugou um escritório na Avenida Ipiranga, em São Paulo e montou uma produtora, chamada Lince Filmes Ltda. (1957). O nome vinha do Hotel Estância Lynce, em Atibaia, pertencente a seu pai. Mais tarde, por questões de direitos autorais, o nome passou para Lynxfilm S/A (1959). Nunca mais deixou o cinema.

LYNXFILM

Ela foi uma das primeiras produtoras a realizar comercial para televisão e pioneira na animação publicitária no Brasil. E a primeira que expandiu, montando e investindo uma filial no Rio de Janeiro e outra em Porto Alegre.

César Mêmolo Jr. conta que a Lynxfilm “entre 1957 até 1970 teve um crescimento incrível, foi a produtora que mais cresceu e eu fiz muitos investimentos em equipamentos. A ponto de se transformar na maior produtora de filmes de publicidade da América Latina. No festival de cinema publicitário em Veneza de 1972, ela foi considerada a 4ª. melhor produtora de filmes de publicidade do mundo, pelo número de filmes classificados para concorrer à premiação”.

O potencial criativo de abrigar profissionais notáveis do cinema, aliado ao desenvolvimento tecnológico e os reduzidos custos de produção fizeram com que a animação tomasse destaque na produtora. Foi um dos pilares do sucesso da Lynxfilm.

Cerca de vinte mil de peças publicitárias produzidos até o encerramento de suas atividades enquanto produtora, em 1987 (tornando-se hoje parte do Grupo Casablanca), mais de três mil foram comerciais animados. além de vinhetas e filmes de 60 segundos.

ANIMAÇÃO

Foi dentro da Lynxfilm que teve início a história da animação no Brasil com a criação do Departamento de Animação, responsável pela formação da primeira geração de animadores publicitários brasileiros. O Departamento introduziu várias das técnicas que se tornariam padrões na produção brasileira de propaganda em audiovisual.

Enquanto, César Mêmolo Jr. cuidava da administração e fazia atendimento nas agências, a presença do desenhista, chargista e animador Ruy Perotti Barbosa (1937-2005), como sócio da Lynxfilm foi fundamental. Diretor responsável pelas peças de animação do estúdio, seu pioneirismo e qualidade a tornaram na maior produtora do ramo no país e abriu mercado para a produção de filmes publicitários de tevê.

Perotti foi responsável por cerca de 1500 comerciais de tevê e curtas-metragens clássicos. Entre tantas criações na animação podemos citar o personagem Sujismundo, símbolo de uma campanha do Governo Federal que esteve nas telinhas entre 1971 e 1972, como ícone para combater a falta de higiene e a sujeira: “Povo desenvolvido é povo limpo”.

Outro sucesso foi o Variguinho, que além da animação, rendeu uma revista em quadrinhos e produtos de licenciamento para a Varig. Ainda criou inúmeras vinhetas para o Canal 9, assim como a marca da TV Excelsior. Em 1973, Ruy Perotti deixou a Lynxfilm.

O uso de animação foi uma alternativa viável para otimizar o tempo de produção da propaganda e evitar a refilmagem desnecessária de material. Dessa forma, foram produzidos os comerciais dos Cobertores Parahyba (1961), com música do maestro Erlon Chaves; Gotinhas da Esso (1962); das Casas Pernambucanas (1967); dos Fósforos Fiat (1959), filmado com maquetes animadas quadro a quadro; e tantos outros.

PIONERISMO

Outro personagem na fase inicial da Lynxfilm foi o publicitário e diretor de criação José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, a quem César Mêmolo Jr. reconhece como essencial para o crescimento da sua produtora: “foi um impulso muito grande na Lynxfilm, a participação do Boni. Ele era chefe do departamento de rádio e televisão da Lintas, da Norton, da Multi Propaganda e se encantou com o nosso projeto. Ele trazia uma quantidade grande de comerciais. Foi uma colaboração fundamental pra que a Lynxfilm pudesse continuar a crescer.”

Numa época em que as agências não sabiam fazer roteiros, Boni criava os roteiros. Também foi o precursor da assinatura nos filmes, que até então não existia. Foi ainda responsável pela criação dos comerciais da Varig. Hoje considerados clássicos, fizeram parte de uma série, toda realizada em animação e com jingles marcantes criados por Archimedes Messina, compositor de jingles famosos para diversos outros filmes publicitários. Cada nova rota aérea inaugurada pela Varig merecia um novo filme, com um novo jingle, como, por exemplo, a canção Seu Cabral (1967), para a rota de Portugal e a saga de Urashima Taro (1969), para os voos ao Japão.

Um dos primeiros comerciais exibidos em televisão foi do desodorante Mum (1954), animação realizada por Ruy Perotti e produzida pela Lynxfilm. Criado por Boni pela agência Lintas, ele fez o roteiro e dirigiu o filme, tendo sido inclusive premiado.

CINEMA

Por influência de César Mêmolo Jr., a Lynxfilm voltou-se para a produção cinematográfica. Com a próspera atividade da propaganda e o incentivo oferecido pela estatal entre Embrafilme (1969-1990), que oferecia grandes aportes financeiros destinados a estimular a produção e distribuição de filmes, ele relata:

“A Lynx atingiu na área da publicidade um status e dimensões - na época tinha quase 100 pessoas trabalhando comigo, tinha quatro equipes completas e eu fazia em torno de 80 a 100 filmes de publicidade por mês, eu tinha filial em Porto Alegre e tinha representantes em Recife, Fortaleza e Salvador, então era uma produção volumosa em filmes de publicidade - eu achei que deveria fazer longa-metragem.

Em 1970 eu estava com 42 anos e achei que tinha chegado o momento - do muito que eu já tinha ganhado com o cinema publicitário - de contribuir para o longa-metragem nacional, investindo, e aí nasceu o primeiro filme, que foi o Vozes do Medo; o segundo O Predileto; o terceiro O Seminarista e aí vieram os 10 filmes.

Depois do 3º. ou 4º. filme que a Lynx produziu por conta própria, surgiram os convites para que a Lynx fosse a produtora de outros longas. O primeiro deles foi O Seminarista, que coproduzimos com a Embrafilme e com o Geraldo Santos Pereira. Depois veio o Ato de Violência, do Eduardo Escorel. O último, já no começo dos anos 80 foi O Homem do Pau Brasil, do Joaquim Pedro de Andrade. E então nós paramos a produção dos longas. A partir de 1980, eu não quis entrar na era do vídeo - estava acontecendo uma transformação com a chegada do vídeo - porque fui toda a vida um homem de cinema e eu não entrei nessa.

A produção executiva era minha. A Lynx era a produtora, juntamente com a Embrafilme e eventualmente com coprodutores como Joaquim Pedro de Andrade, Eduardo Escorel, eles foram coprodutores. Eles entravam com o roteiro, direção e a Embrafilme entrava com um valor em dinheiro e a Lynxfilm entrava com equipe, equipamento, estúdios e assumia a produção”.

Foram dez produções: Vozes do medo (1970), O predileto (1975), O seminarista (1976), Vereda tropical (1977), Contos eróticos (1977), As filhas do fogo (1978), Diário da província (1978), O sol dos amantes (1979), Ato de violência (1980), Alguém (1980) e O homem do pau-brasil (1981).

PRODUTOR EXECUTIVO

Apesar de sua formação de cineasta, os longas realizados pela Lynxfilm, nunca tiveram a direção de César Mêmolo Jr., ele justificativa:

“A década de 70 foi um período de uma grande produção de longa-metragem, o cinema brasileiro estava a todo vapor. Mas foi uma decisão minha, eu estudei para ser diretor, mas como a Lynxfilm cresceu muito, a minha responsabilidade como sócio majoritário da Lynx era muito grande. Então, eu não podia largar a Lynx pra ir dirigir um filme de longa, mas em quase todos os filmes, com algumas exceções, eu fui o produtor executivo. A produção executiva era minha.

A Lynx era a produtora, juntamente com a Embrafilme e eventualmente com coprodutores como Joaquim Pedro de Andrade, Eduardo Escorel, eles foram coprodutores. Eles entravam com o roteiro, direção, a Embrafilme entrava com um valor em dinheiro e a Lynxfilm entrava com equipe, equipamento, estúdios, e assumia a produção. Alguns desses filmes foram rentáveis, outros não se pagaram, mas eu diria que o saldo dos 10 filmes foi favorável.”

HOMEM DE LUTAS SOCIAIS

César Mêmolo Júnior produziu documentários e curtas-metragens, com muitos trabalhos premiados. Representou os produtores cinematográficos no Conselho Nacional de Cinema (CONCINE).

Uma das melhores definições e um importante reconhecimento do seu significado foi dado por Roberto Duailibi, um dos principais publicitários brasileiros:

“A Lynxfilm era parte da história de São Paulo. A figura pública da Lynxfilm era o Mêmolo, que era uma pessoa muito agradável, que negociava na base da humildade e da ausência de arrogância, segundo o meu contato pessoal. Ele teve uma participação muito intensa na definição dos direitos dos publicitários, que começaram na década de 50, do publicitário criador, do diretor de arte, chamado layoutman. (...) Foi um trabalho grande dos publicitários de origem humanista em oposição aos anunciantes e empresas multinacionais, que não queriam saber de direitos autorais, de pagamentos de honorários fixos, de luta concorrencial, baseado muito mais na qualidade que nas vantagens financeiras e nesse movimento todo das décadas de 50, 60 e 70 que se expressava na lei de 1972, o Mêmolo teve uma participação muito intensa. Ele era um homem de lutas sociais (...).”

 

 


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