Em 2022 a Semana André Carneiro chega a sua nona edição. Este ano será especial em razão das comemorações do centenário de nascimento do artista homenageado e também do centenário da Semana de Arte Moderna. Dois temas que dialogam com o histórico cultural de Atibaia. Enquanto em fevereiro de 1922, em São Paulo, ocorria no Teatro Municipal uma série de ações que mudariam os rumos da arte no país, meses depois nascia em Atibaia André Carneiro, o maior e mais completo artista local. A grande ruptura ocorrida na arte brasileira, provocado pela Semana de 22, influenciou de maneira decisiva na formação de André Carneiro, que cresceu absorvendo o que havia de mais atual na área artística, embora vivendo numa cidade do interior com pouco mais de 25.000 habitantes.
Com inspiração nas vanguardas europeias, o modernismo no Brasil foi um movimento artístico, cultural e literário caracterizado pela liberdade estética, o nacionalismo e a crítica social em contraponto a arte academia em voga até então. Seu desdobramento perdurou por longo tempo, de 1922 a 1960, podendo ser divididas em três fases, também chamadas de gerações:
Primeira fase modernista de 1922 a 1930 (fase heroica ou de destruição);
Segunda fase modernista, de 1930 a 1945 (fase de consolidação ou geração de 30)
Terceira fase modernista, de 1945 a 1960 (geração de 45).
É nesta última que André Carneiro, o Modernismo e a cidade de Atibaia se convergem. Em seu livro de estreia, Ângulo e Face, André Carneiro recebe a crítica elogiosa de Oswald de Andrade, principal expoente da Semana de 22, que diz ser “a poesia de André Carneiro uma continuidade modelar do Modernismo numa renovada e luminosa expressão”. No mesmo ano (1949) André Carneiro, em conjunto com a irmã Dulce Carneiro e o amigo César Mêmolo Junior, publicam em Atibaia o jornal literário Tentativa. Totalmente produzido na cidade Tentativa reuniu em suas páginas autores já consagrados do modernismo e novos expoentes, com textos inéditos. Mais tarde, tanto sua produção autoral quanto o próprio Tentativa, foram consideradas obras representativas da chamada “gerações de 45”, embora pouco conhecida até mesmo na área acadêmica.
Essa ligação
entre André Carneiro, Atibaia e os principais expoentes do modernismo no Brasil
ocorreu em função dele permanecer na cidade enquanto realizava sua produção
artística naquele período. Diferente da maioria dos artistas oriundos das pequenas
cidades do interior, que abandonam sua terra visando novas oportunidades, André
Carneiro ficou e trouxe para Atibaia os artistas dos grandes centros. Artistas que
estavam em sintonia com que havia de mais atual. Com isso inseriu a contemporaneidade
a pequena e provinciana Atibaia da época, criando familiaridade entre o
município e o movimento. Fato inédito para uma cidade do interior. Atibaia
passou a ser conhecida e admirada entre os modernistas, mais que isso, graças a
influencia de André Carneiro, os artistas passaram a frequentar e conviver de
forma bastante próxima com a cultura local, seja realizando palestras,
exposições ou publicações voltadas ou inspiradas na paisagem local. Oswald de
Andrade chegou a escrever numa de suas crônicas a vontade de morar em Atibaia. Outros
fatores também facilitaram essa troca. Uma delas era que Atibaia já vinha de
uma tradição turística desde o inicio do século XX. Tradição que ganhou
destaque com a construção do Hotel Rosário nos anos trinta,
e depois com a Estância Lynce, nos anos quarenta. Empresários de visão como
Deoclides Freire e César Mêmolo anteviram a necessidade de divulgar o potencial
turístico do município trazendo para cá artistas, políticos e pessoas com
grande influencia social para conhecer e, naturalmente, publicitar a cidade.
Outro fato
que estabelece a ligação entre o modernismo e a cidade foram dois eventos
ocorridos em 1950 e 1955. Trata-se de duas exposições de arte moderna promovidas
por André Carneiro na então pequena cidade de Atibaia. Iniciativa que se mostra
sem precedentes na história da cultural nacional. Pouco conhecido na própria
cidade, estes eventos reforçam a necessidade da continuação da Semana André
Carneiro como meio de difusão da vida e da obra do homenageado, não só para
exaltar suas qualidades, mas para valorizar na cidade seu rico histórico
cultural, e quem sabe, desenvolver outro potencial pouco utilizado até então: o
turismo cultural. Em 1950, com a finalidade de inaugurar um cineclube, André
Carneiro promoveu em conjunto com a irmã Dulce Carneiro e com a curadoria de
Aldo Bonadei e os artistas e amigos Geraldo de Barros, Lothar Charoux e João
Luiz Chaves a Primeira Exposição Coletiva de Pintura. O evento aconteceu no
saguão do recém-inaugurado Cine Itá, onde também aconteciam as sessões
cinematográficas do Clube de Cinema, entidade jurídica criada por André
Carneiro e demais participantes do jornal literário Tentativa. A exposição
reuniu trabalhos originais dos mais representativos expoentes da arte
brasileira, alguns em inicio de carreira e outros já consagrados no
cenário nacional. Participaram desta primeira exposição: Aldo Bonadei, Guinard,
Oswald de Andrade Filho, Lothar Charoux, Franz
Weissmann, Geraldo de Barros, Lívio Abramo, João Luiz Chaves, Aldemir Martins,
Odeto Guersoni, Carlos Scliar, Oswaldo Goeldi, Athos Bulcão além do próprio
André Carneiro e Dulce Carneiro. Um elenco de peso! Entre os trabalhos
pinturas, gravuras e fotografias. A inauguração aconteceu no dia 28 de junho de
1950, contando com a presença de boa parte dos expositores.
Anos depois,
em 1955, André Carneiro realiza uma segunda exposição de arte moderna em
Atibaia. Dessa vez nas dependências do Clube Recreativo Atibaiano. A Primeira
Exposição Oficial de Pintura teve, além da organização de André e sua irmã
Dulce Carneiro, a colaboração de Ruth Diem, pertencente à sessão de arte da
Biblioteca Pública de São Paulo, que trazia vasta experiência na área de
curadoria. A exposição foi inaugurada dia 25 de junho e fez parte da
programação de 290 anos de Atibaia. Após a abertura da exposição houve no palco
do Clube Recreativo uma palestra didática sobre arte moderna proferida pelo
escritor, pintor e crítico de arte Sérgio Milliet, então Diretor do Museu de
Arte Moderna e da Biblioteca Pública de São Paulo. Entre os expositores estavam
artistas que participaram diretamente da Semana de 22, como Anita Malfatti, Di
Cavalcanti e o próprio Sergio Milliet, além de Aldemir Martins, Aldo Bonadei,
Cícero Dias, Flávio de Carvalho, Flexor, Maria Leontina, Milton Dacosta,
Quirino da Silva, Walter Lewy e Oswald Andrade Filho. Na inauguração estiveram
presentes vários expositores, além de vários jornalistas da imprensa paulistana.
Em 1954, portanto em pleno clima de intercâmbio artístico, Oswald Andrade Filho, o None como era conhecido, realizou no então Clube de Campo, hoje Parque Edmundo Zanoni, um lindo painel em ladrilhos representando as congadas de Atibaia. Esta obra pode ser considerada símbolo do modernismo na cidade, pois agrega os valores mais representativos dos dois movimentos: a estética e a autoria modernista aliada à temática essencialmente atibaiana das congadas. Tradição que ultrapassa 250 anos, as congadas trazem em seu histórico a história da própria cidade ao reunir a fé, à tradição católica popular, às pessoas simples e iletradas que somam imigrantes italianos, portugueses, descendentes indígenas, caboclos e principalmente o povo negro, que construiu e formou boa parte do que somos hoje. No painel do None, de 1954, o passado e a tradição foi expressa da forma mais contemporâneo da época. Obra que marca um período em que Atibaia possuía artistas e intelectuais a altura e além de seu tempo.
A nona
edição da Semana André Carneiro acontecerá de 06 a 12 de maio. Realização conjunta
entre a Secretaria de Cultura de Atibaia, o Instituto Garatuja e o Coletivo
André Carneiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário