Em 2019 acontece na cidade de Atibaia a 6ª Semana André Carneiro. Sob curadoria de Márcio Emílio Zago, o evento objetiva apresentar a vasta obra do artista dos “sete instrumentos”. O nome de André Carneiro ecoa hoje nos mais diversos cantos do mundo. Confiram a entrevista com o curador e participem do evento. Vale a pena conferir. (Reportagem realizada em 03/05/2019)
Juliana Gobbe – Como é fazer a curadoria de um acontecimento tão importante como a Semana André Carneiro?
Márcio Emilio Zago – Em primeiro lugar, me chamou a atenção o “tão importante”. Eu também acho que é importante e fico feliz em saber que outros também pensam assim. Esse reconhecimento só aumenta a minha responsabilidade. O André foi o artista local que alcançou maior projeção e reconhecimento mundial, embora ainda pouco conhecido na cidade. Seus trabalhos estão espalhados por diversos países. Só na literatura, os contos e poemas foram traduzidos para dezesseis países. Na fotografia, sua obra mais conhecida, “Trilhos”, fica em exposição permanente no Tate Gallery, em Londres. Sem falar dos trabalhos como artista plástico, cineasta, etc. Fazer a curadoria de um artista tão completo demanda muita responsabilidade. O que proponho como curador é tornar o trabalho do André conhecido e reconhecido na cidade. É aqui que eu moro e trabalho. Não saberia fazer de outra forma. A obra do André precisa ser melhor estudada nos meios acadêmicos e essa não é minha praia, não tenho curso superior, mas imagino que tornando público seu trabalho, naturalmente isso irá acontecer.
Juliana Gobbe – Em quais circunstâncias se deu a ideia de criar este evento na cidade?
Márcio Emilio Zago – Sempre pensei em fazer uma história em quadrinhos com o texto de ficção científica do André. Em 2004 tomei coragem e liguei pra ele, que morava em Curitiba. Ele adorou a ideia e a partir daí nos correspondemos por e-mail. Passamos a nos encontrar todo final de ano, quando ele vinha pra Atibaia rever o filho Henrique e a Lina, sua ex-esposa. Nesses encontros é que surgiu a ideia de fazer alguma coisa aqui na cidade em relação a seu trabalho. Eu não me conformava com fato do André ter tantas qualidades e continuar desconhecido em sua própria terra natal. Imaginei que tendo como suporte o Garatuja, eu poderia fazer alguma coisa. Com o aval do André comecei a trabalhar. O apoio maior veio do Mauricio, seu segundo filho, que mora em Curitiba. Tornamo-nos grandes amigos. Sem ele não seria possível realizar o evento. Juntei um punhado de livros do André e coloquei na mesa do então Diretor de Cultura Charles Giraldi, dividindo com ele essa angústia. Daí surgiu a ideia da Semana, apoiado pelo então Secretário de Cultura Luís Otávio Frittoli, o Tatah, que também se envolveu no projeto. Eles conseguiram até passagem de avião para trazer o André e o Mustafá para a primeira Semana que realizamos na cidade. O Centro de Convenções estava em reforma e o evento aconteceu no CIEM. Sem que ninguém esperasse, essa foi a despedida do André à cidade. Ele faleceu meses depois. O que conforta é que ele pode receber as homenagens em vida, ainda lúcido. Foi emocionante vê-lo obter o merecido reconhecimento pelo imenso trabalho que prestou à cidade. Eu me sinto muito feliz de ter propiciado esse momento.
Juliana Gobbe – André Carneiro foi um artista de “sete instrumentos”. Na sua avaliação, a literatura prevalece como sua inserção mais importante na arte?
Márcio Emilio Zago – É o que dizem os especialistas. Li em vários lugares que a literatura foi o que ele fez de melhor. O próprio André falava isso. Principalmente em relação a sua obra poética. Com certa familiaridade que acabei tendo ao realizar essa curadoria, fico cada vez mais confuso a esse respeito. Suas fotos são geniais. Seus filmes muitos bons, ele também desenhava bem e sabia tudo de cinema. Talvez na literatura ele tenha recebido maior reconhecimento, tanto no Brasil quanto no exterior. No cinema, por exemplo, ele não teve muita sorte, embora tenha realizado muita coisa boa. Nas artes plásticas foi igual. Outro termo que sempre vejo ao definir o André, além de ser o artista de “sete instrumentos” e de ser “O Da Vinci brasileiro”, por seus múltiplos talentos e principalmente por sua inteligência.
Juliana Gobbe – Em 2019 o jornal Tentativa completa 70 anos. Como se deu a iniciativa que, como se sabe envolveu literatos do Brasil inteiro?
Márcio Emilio Zago – “Tentativa” é uma dessas coisas inexplicáveis. Acho que nem o próprio André soube esclarecer isso direito. Ele sempre tangenciou a resposta ao falar do “Tentativa”, argumentando tratar-se de um “arroubo juvenil”. Ele tinha somente 27 anos quando editou, a Dulce e o César eram quase dez anos mais novos. A verdade é que eles conseguiram um feito que provavelmente nunca mais se repita. Comparativamente é como formar um time de craques de futebol numa cidadezinha pequena. Imagine um time de várzea com Pelé, Sócrates, Garrincha… Foi isso que ele fez. Trouxe para a cidade o que havia de melhor na literatura e na intelectualidade nacional. Com isso introduziu Atibaia no mapa do mundo através da cultura. Isso é inédito. O comum são os artistas saírem de sua terra natal para conquistar seu espaço. André trouxe o mundo para Atibaia. Fica mais heroico ainda se imaginarmos as circunstâncias em que o “Tentativa” foi produzido: De Atibaia a São Paulo levava de três a quatro horas de viagem. A telefonia era precária, o correio paquidérmico. Celular, computador e telefonia móvel existiam somente nos contos de ficção científica que ele iria escrever alguns anos mais tarde.
Juliana Gobbe – Qual é o legado de André Carneiro para o Brasil?
Márcio Emilio Zago – Talvez o André já seja mais admirado lá fora do que no Brasil. Seu editor, o Silvio Alexandre (que me ajuda na realização da Semana), conta que o André é venerado na Suécia, onde seus contos foram publicados no final dos anos 1970 pela revista Jules Verne Magasinet, uma das mais importantes revistas de ficção científica do mundo. Seu livro Piscina Livre também foi publicado lá. Acho que no Brasil ele é um artista a ser descoberto. É difícil prever como (e se) isso realmente irá acontecer. Seu trabalho não é digestivo, como esperam o senso comum, mas acredito que sua obra sempre terá admiradores. Ela dificilmente irá envelhecer. O que me cabe é difundi-lo aqui na cidade. O fato de a Semana André Carneiro estar na sexta edição já considero uma conquista.
Fruto de um árduo trabalho de convencimento, onde muitas vezes o óbvio parece o inverso. O poder público tende a nivelar a cultura somente pelo fator quantitativo. Artistas como o André ficam em situação de desvantagem em relação aos artistas de maior apelo popular, quando deveria ser justamente o contrário. Quantas cidades têm um artista como o André? A cidade poderia se beneficiar com isso, como faz São João da Boa Vista, que realiza há mais de quarenta anos a Semana Guiomar Novaes. Salvo engano, o segundo maior evento do interior paulista em termos de apoio institucional. Só perde para o Festival de Inverno de Campos do Jordão. Espero que um dia a Semana André Carneiro ganhe essa proporção e que sua obra faça parte do cotidiano da cidade e principalmente do cotidiano escolar. Se conseguir uma parte do que proponho já estou satisfeito.
sexta-feira, 12 de julho de 2019
domingo, 5 de maio de 2019
Uma tentativa tentadora para nos atermos hoje em dia.
Henrique Carneiro
As gerações se sucedem na terra tentando compreender o mundo e, assim, quem sabe, buscar transformá-lo. Os artistas e os escritores costumam se aglutinar em torno a veículos de transmissão e debate das ideias. Os jornais e revistas literárias assumiram nos tempos modernos o papel de espaços privilegiados na formação da esfera pública. Esta se constituiu no debate teórico ético, estético e filosófico, na força dos argumentos e na racionalidade dos projetos políticos em sua disputa pela persuasão pública. No Brasil, houve algumas importantes iniciativas nesse sentido, desde os tempos da semana de arte moderna de 1922, em São Paulo. No período do segundo pós-guerra, uma geração traumatizada pelos horrores do pior conflito da história da humanidade, tentou, em Atibaia, criar um foco de natureza crítica e criativa que inspirou o lançamento do jornal Tentativa. Meu pai, André Carneiro, minha tia Dulce Carneiro, e o cineasta César Mêmolo Jr. foram os principais impulsionadores deste jornal que marcou uma época. Num cenário global do pós-guerra, diante das inovações tecnológicas, dos questionamentos estéticos e dos debates culturais, essa publicação reuniu artistas plásticos, escritores, poetas e cineastas que viviam num país em transformações profundas, em que uma estrutura secular de atraso e de desigualdades ancorava o país numa resistência aos anseios de liberdades, igualdades e modernidade que vicejavam especialmente entre os mais jovens.
O tema que animara os artistas paulistas que buscaram na semana de 1922 a sua identidade comum num país ainda imerso no ruralismo, no provincianismo e na inércia, continuou presente no jornal Tentativa, em Atibaia. Essa inquietação era em relação ao desafio de se modernizar, entendendo isso não só como a adoção de novas tecnologias, mas, sobretudo, como a necessidade de uma nova cultura, aberta ao intercâmbio planetário, despertada na sua efervescência transformadora, como um instrumento de agitação criativa e de novas mentalidades. O cenário cultural de Atibaia foi, assim, sacudido por um grupo de jovens conectados com o seu tempo e insatisfeitos diante do horizonte limitado de sua cidade, do seu país e do seu mundo. Por meio dos tipos móveis inventados por Gutemberg, imprimiram na tinta negra das tipografias as suas mensagens e as suas imagens, reunindo na pequena cidade paulista todo um cosmo de reflexões e de perplexidades. Para mim, criança criada em Atibaia, aqueles jornais velhos que meu pai guardava numa coleção encadernada traziam certo mistério, que me remetia a uma cidade do passado que eu não conhecera. Anos depois, esses exemplares foram reimpressos numa edição comemorativa, permitindo que todos possam hoje em dia manter sob os olhos e apalpar com as mãos essas páginas antigas, com gravuras e fotos amareladas pela pátina do tempo. Mais do que uma tentativa, foi uma realização. Não se tentou apenas, mas se reuniu num círculo social uma iniciativa que não foi somente o seu resultado impresso no papel, mas que permitiu a alguns expoentes do seu tempo poderem se encontrar e partilhar como geração das inquietudes, dos temores e das suas esperanças coetâneas. Que a leitura destas páginas seja fértil para os novos tempos dos amanhãs que cantam a música do futuro, que o outrora seja semente do vindouro, e que todos possam, assim, se atentarem para as tentativas que nos precederam.
Texto publicado no encarte "Tentativa - 70 anos" - O Atibaiense, maio de 2019
As gerações se sucedem na terra tentando compreender o mundo e, assim, quem sabe, buscar transformá-lo. Os artistas e os escritores costumam se aglutinar em torno a veículos de transmissão e debate das ideias. Os jornais e revistas literárias assumiram nos tempos modernos o papel de espaços privilegiados na formação da esfera pública. Esta se constituiu no debate teórico ético, estético e filosófico, na força dos argumentos e na racionalidade dos projetos políticos em sua disputa pela persuasão pública. No Brasil, houve algumas importantes iniciativas nesse sentido, desde os tempos da semana de arte moderna de 1922, em São Paulo. No período do segundo pós-guerra, uma geração traumatizada pelos horrores do pior conflito da história da humanidade, tentou, em Atibaia, criar um foco de natureza crítica e criativa que inspirou o lançamento do jornal Tentativa. Meu pai, André Carneiro, minha tia Dulce Carneiro, e o cineasta César Mêmolo Jr. foram os principais impulsionadores deste jornal que marcou uma época. Num cenário global do pós-guerra, diante das inovações tecnológicas, dos questionamentos estéticos e dos debates culturais, essa publicação reuniu artistas plásticos, escritores, poetas e cineastas que viviam num país em transformações profundas, em que uma estrutura secular de atraso e de desigualdades ancorava o país numa resistência aos anseios de liberdades, igualdades e modernidade que vicejavam especialmente entre os mais jovens.
O tema que animara os artistas paulistas que buscaram na semana de 1922 a sua identidade comum num país ainda imerso no ruralismo, no provincianismo e na inércia, continuou presente no jornal Tentativa, em Atibaia. Essa inquietação era em relação ao desafio de se modernizar, entendendo isso não só como a adoção de novas tecnologias, mas, sobretudo, como a necessidade de uma nova cultura, aberta ao intercâmbio planetário, despertada na sua efervescência transformadora, como um instrumento de agitação criativa e de novas mentalidades. O cenário cultural de Atibaia foi, assim, sacudido por um grupo de jovens conectados com o seu tempo e insatisfeitos diante do horizonte limitado de sua cidade, do seu país e do seu mundo. Por meio dos tipos móveis inventados por Gutemberg, imprimiram na tinta negra das tipografias as suas mensagens e as suas imagens, reunindo na pequena cidade paulista todo um cosmo de reflexões e de perplexidades. Para mim, criança criada em Atibaia, aqueles jornais velhos que meu pai guardava numa coleção encadernada traziam certo mistério, que me remetia a uma cidade do passado que eu não conhecera. Anos depois, esses exemplares foram reimpressos numa edição comemorativa, permitindo que todos possam hoje em dia manter sob os olhos e apalpar com as mãos essas páginas antigas, com gravuras e fotos amareladas pela pátina do tempo. Mais do que uma tentativa, foi uma realização. Não se tentou apenas, mas se reuniu num círculo social uma iniciativa que não foi somente o seu resultado impresso no papel, mas que permitiu a alguns expoentes do seu tempo poderem se encontrar e partilhar como geração das inquietudes, dos temores e das suas esperanças coetâneas. Que a leitura destas páginas seja fértil para os novos tempos dos amanhãs que cantam a música do futuro, que o outrora seja semente do vindouro, e que todos possam, assim, se atentarem para as tentativas que nos precederam.
Texto publicado no encarte "Tentativa - 70 anos" - O Atibaiense, maio de 2019
A Escola de Atibaia
Em sua coluna, "Telefonema", de 11 de outubro de 1949, Oswald de Andrade exaltava a existência de um movimento literário na cidade de Atibaia, liderado por André Carneiro e sua irmã Dulce, junto com César Mêmolo Júnior. Assim escreveu: “Como ficou a Escola Mineira na nossa literatura, ficará sem dúvida, o que eu chamo de Escola de Atibaia, o melhor esforço de cristalização da nossa poesia atual. Parece fábula, mas não é. No cocuruto da serra de Juquerí (este nome indica a capital da loucura paulista), no minúsculo burgo de Atibaia, três poetas existem. São eles: Dulce e André Carneiro e César Mêmolo Júnior. Para aí um ano atrás fomos arrebanhados pelo Clube da Poesia num show de que foi astro José Geraldo Vieira. Desde então o nosso contato com os três poetas atibaienses tem sido contínuo”.
Com certeza, é muito curioso imaginar como um reduzido grupo de artistas, vivendo numa antiquada cidadezinha com pouco mais de 20.000 habitantes, conseguiu realizar um movimento cultural tão importante a ponto de extrapolar os limites do tempo e do espaço. Esses artistas sonhavam em dotar de contemporaneidade a provinciana Atibaia. César Mêmolo recorda que no final dos anos 1940, eram um grupo de jovens em busca de opções intelectuais na cidade recém-transformada em estância hidromineral. A proximidade com São Paulo e o fato do seu pai receber artistas e escritores em seu hotel campestre Estância Lynce facilitou o contato com a vanguarda paulistana. Expressão maior desse movimento foi criação em Atibaia, do jornal literário Tentativa, em abril de 1949, pelas mãos de André Carneiro e sua irmã Dulce junto com César Mêmolo Júnior. O jornal alcançou grande repercussão nacional e internacional sendo considerado, na época, o melhor jornal literário do Brasil. Uma das razões do seu sucesso foi sua isenção das polêmicas modernistas e por abrir espaço a várias tendências dos escritores das gerações 20, 30 e 45 e poetas em fase de ascensão. Além disso, sua distribuição era feita diretamente para os intelectuais e livrarias das grandes cidades e de outros países. Um jornal de Lisboa publicou um artigo afirmando que “em uma pequena cidade perto de São Paulo havia um movimento literário mais importante do que o da capital de Portugal”. Em seu primeiro número, que era impresso em Atibaia na Tipografia Contezini, teve a apresentação justamente de Oswald de Andrade e o logotipo desenhado pelo pintor Aldemir Martins, que também ilustrou quase todos os outros números ao lado de celebrados nomes do cenário artístico acional. Uma das grandes repercussões do jornal foi a publicação na edição nº 4, em outubro de 1949, de uma entrevista com o escritor Graciliano Ramos, falando sobre os textos e poetas da época. Vale ressaltar que Graciliano nunca havia dado nenhuma declaração à imprensa até então. Tentativa teve entre seus colaboradores os maiores nomes da literatura nacional da época, seja da nova geração, como Domingos Carvalho da Silva, Lorival Gomes Machado, Cassiano Nunes, seja das gerações mais antigas com seus autores já consagrados como Sérgio Millet e Oswald de Andrade ou em processo de consagração, como Murilo Mendes e Otto Maria Carpeaux. Aparecem ainda, compondo a extensa lista de colaboradores, nomes como Guilherme de Almeida, José Lins do Rego, Murilo Mendes, Vinícius de Moraes, Henriqueta Lisboa, Lêdo Ivo, Emílio Moura, Lygia Fagundes Teles, Autran Dourado, José Paulo Paes, Décio Pignatari e muitos outros, com colaborações especiais ou inéditas como Hilda Hilst, publicada ali pela primeira vez, para citarmos apenas alguns. E ainda contava com correspondentes estrangeiros em Paris, Buenos Aires, Lisboa e nas principais capitais brasileiras. Foi publicado até maio de 1951, em treze edições bimestrais. Em 2006, em uma ação conjunta da prefeitura de Atibaia e do Arquivo Público do Estado de São Paulo, o jornal foi reeditado em fac-símile, no livro A Geração 45 através do jornal Tentativa, com as principais edições impressas na época. A edição conta com artigos introdutórios do próprio André Carneiro, do professor Osvaldo Duarte, da Universidade Federal de Rondônia e do jornalista Alberto Dines, entre outros. É ainda César Mêmolo Júnior que recorda que Tentativa “não foi um acontecimento isolado, mas consequência das nossas atividades culturais na capital e em outros grandes centros. Éramos a novíssima geração do pós-guerra e enveredávamos pela literatura, pela fotografia e pelo cinema, e estávamos ligados às novas correntes intelectuais da Europa”. Em Atibaia, eles já haviam criado a primeira biblioteca pública da cidade, que originou a Biblioteca Municipal atual; participado do movimento que conseguiu para a cidade o título de Estância Hidromineral e Turística; fundado o Clube de Cinema que promovia debates após as sessões semanais; realizado a primeira Exposição Coletiva de Pintura da cidade, entre outras atividades culturais e artísticas. Além disso, se aproveitaram que o jornal O Atibaiense pertencia ao pai de César e introduziram uma edição semanal do “Caderno de Leitura”, em que publicavam seus textos e de outros autores. A seguir, decidiram criar um tabloide para publicar também autores inéditos e debates com os autores mais atuais. Nascia Tentativa que estreou como encarte, substituindo o “Caderno de Leitura”. Tentativa foi definido por seus editores como jornal “aberto a todas as tendências”. Ele surge num momento de impasse político, histórico e cultural, como observa Oswald de Andrade no texto de abertura em seu primeiro número. Um tempo diante do qual escusava qualquer posição pronta e definitiva. Enfim, um tempo de Tentativa. Com esse nome, continua Oswald, os redatores do jornal alcançavam todo o grave sentido que tomara a humana poesia desde Hölderin. Com Tentativa, salienta o professor Osvaldo Duarte, estava indicado um caminho e que define a inclusão dialética de ordem e desordem, avanço e parada, tradição e modernidade naqueles autores, que atentos à dinâmica histórica, se ocuparam da literatura e da crítica literária brasileira nas últimas décadas. Tentativa é considerado uma peça exemplar da terceira geração modernista: A Geração de 45. Após o término da Segunda Guerra Mundial com as explosões atômicas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, começava um período de reestruturação geográfica, política e econômica que dividiu o mundo em blocos capitalistas e comunistas. Enquanto no Brasil, tínhamos o fim da ditadura de Vargas e o início de um período democrático e desenvolvimentista. Dentro desse contexto histórico acontece no país a chamada de Geração de 45, com poetas que se opõem às conquistas e inovações do Movimento Modernista de 1922. Eles negam a liberdade formal, o desleixo formal, o prosaísmo, o falso brasileirismo de linguagem, as ironias, as sátiras, o poema-piada e outras brincadeiras modernistas. Produzem uma poesia mais equilibrada e séria, procurando o restabelecimento da forma artística e bela. Não era uma volta ao passado, mas pretendia-se restaurar a poesia, livre de tais de comedimentos com uma poesia enxuta e equilibrada. No que se refere à prosa, tanto no romance quanto nos contos, houve um profundo investimento em sondagem psicológica dos personagens, além de técnicas novas de narrativas que traziam uma quebra na frequência e na estrutura do gênero narrativo, buscando uma literatura intimista e introspectiva, com destaque para Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles. Ao mesmo tempo, o regionalismo, que era bastante aplicado durante os anos 1930, mas com uma renovação estética, adquire uma nova dimensão com, por exemplo, Guimarães Rosa e sua recriação dos costumes e da fala sertaneja, penetrando fundo na psicologia do jagunço do Brasil central, inovando na linguagem, fazendo uso intenso do discurso direto e indireto livres, além de trazer uma mudança revolucionária no que se refere à sintaxe e ao vocabulário. Para entender melhor a relação entre o Tentativa e a Geração de 45 basta lembramos que, em 1947, André Carneiro com outros escritores e poetas jovens fundou a Revista Brasileira de Poesia, justamente a divulgadora dos preceitos estéticos da Geração de 45: a revalorização da palavra; a criação de novas imagens; a revisão dos ritmos e a busca de novas soluções formais. O poeta vê na poesia, mais do que produto intuitivo, o resultado da experiência da linguagem e da existência humana. Junto com Péricles Eugênio da Silva Ramos, Domingos Carvalho da Silva, Mário da Silva Brito e Geraldo Vidigal, ele organiza o 1º Congresso Paulista de Poesia (que oficializou a Geração de 45), realizado entre os dias 29 de abril e 02 de maio de 1948, espalhados por diversos espaços na capital: o auditório da Biblioteca Pública Municipal de São Paulo (atualmente Biblioteca Mário de Andrade), o Museu de Arte Moderna (MASP), o bar do Teatro Municipal, além dos auditórios da Escola Normal Caetano de Campos e do jornal paulistano A Gazeta. Tendo sido eleito secretário do Congresso e com forte participação nos debates, Carneiro ganhou destaque e chamou a atenção de Oswald de Andrade, presente no evento junto com outros grandes escritores da época e que se tornou seu amigo, passando a visitá-lo com frequência em Atibaia. De acordo com o crítico Antônio Cândido (o convidado para fazer o discurso de abertura), após o Congresso Paulista, ocorreu um aumento expressivo de estreias em livros dos novos autores. Assim, André Carneiro teve o seu primeiro livro de poesia, Ângulo e Face, publicado em 1949, pelo poeta Cassiano Ricardo, através do Clube de Poesia de São Paulo, do qual era presidente, ganhando prêmios e homenagens com sucesso nacional. Cassiano afirmou sobre André: “Seu poder de comunicação chega a ser contundente, fere mais do que a sensibilidade à flor da pele”. E a escritora Lígia Fagundes Teles decretou: “Temos um verdadeiro poeta pela frente”. O poeta e crítico Ferreira Gullar lamenta que “a poesia sóbria e humana de um poeta como André Carneiro passe despercebida do grande público. Ângulo e Face encerra em suas poucas páginas uma deliciosa e purificada mensagem lírica, feita de angústia e melancolia. Poemas construídos arquiteturalmente, num equilíbrio de verbalismo e emoção”. Para Oswald de Andrade, a poesia de André Carneiro neste livro “é uma continuidade modelar do Modernismo numa renovada e luminosa expressão”. Dessa forma, podemos entender um pouco mais como o jornal Tentativa consolida-se rapida¬mente como veículo de divulgação literária. Segundo o professor Oswaldo Duarte, foi graças ao seu desejo e disfarce cosmopolita, como se ao olhar com dissimulado senso de superioridade e por sobre os om¬bros, deixasse ao largo a Geração de 45, de onde emergia, e fosse ter com Oswald de Andrade, em São Paulo, com Drummond e Murilo Mendes, no Rio de janeiro, e com Vergílio Ferreira, em Portugal, trazendo-os para suas páginas com colaborações inéditas, sem nenhum peso de responsabilidade ou senso de culpa. Na crítica, as relações eram igualmente incomuns. Seus colaboradores pertenciam às gerações de 20, 30 e 45 e as opiniões, não raro dissonantes, colocadas lado a lado em estranha combinação, só possível a um jornal que se valia do sotaque interiorano como ponto neutro, propício à fusão de ideias e conceito.
Texto publicado no encarte "Tentativa - 70 anos" - O Atibaiense, maio de 2019
quarta-feira, 24 de abril de 2019
“Tentativa” e o Modernismo no Brasil
No início do século XX a Europa vivenciava um conjunto de expressões artísticas diretamente influenciadas pela Revolução Industrial. Movimentos como Simbolismo, Expressionismo, Suprematismo, Dadaísmo, Surrealismo, entre outros formaram a chamada Arte Moderna. Considerada eminentemente europeia, a arte moderna foi introduzida na América durante a I Guerra Mundial, quando artistas franceses fugiram do conflito para a cidade de Nova York. Artistas brasileiros, em suas idas ao exterior, também voltavam com estas novas influências possibilitando o início do Modernismo no Brasil. O Modernismo brasileiro teve três fases: a primeira surgiu em 1922, à segunda em 1930 e a terceira em 1945. O ponto de partida foi a Semana de Arte Moderna, que ocorreu entre 13 e 18 de fevereiro de 1922 e possibilitou a aproximação de vários artistas com ideias modernistas, dando força ao movimento. A primeira fase foi um período de ruptura estética e grande produção em diferentes áreas. Quatro correntes de pensamento dominavam o teor ideológico do movimento ao longo da década de 20. O Manifesto Pau Brasil, fundado por Oswald de Andrade, fazia críticas ao passado cultural brasileiro, que imitava os modelos europeus, e propunha um olhar mais “brasileiro”, apesar das influencias europeias. O Verde Amarelismo defendia um nacionalismo exagerado, sem qualquer influência europeia. Essa corrente originaria a Escola da Anta, com inclinações nazistas e ideais xenófobos e finalmente a Antropofagia, também fundada por Oswald de Andrade, que vinha como uma nova resposta às duas correntes, pregando a aceitação da cultura estrangeira, mas sem cópias e imitações. Esta cultura deveria ser absorvida pela cultura brasileira, que colocaria na arte a representação da realidade do Brasil e do elemento popular, valorizando as riquezas nacionais. A segunda fase modernista, de 1930, ocorreu em meio à revoltas contra a política brasileira do café-com-leite e à crise econômica ocasionada pela crise de 1929, que impossibilitava a importação do café, principal riqueza brasileira. As Grandes Guerras também viriam a compor o cenário histórico da época, caracterizando essa geração pela forte posição ideológica. O resultado é a arte engajada que surgiu na segunda fase modernista, com uma reflexão sobre a época de crise e pobreza. Nessa fase a literatura dividiu-se em prosa e poesia: a prosa voltava-se para a crítica social, trazendo à tona os retratos de várias regiões do país como forma de denúncia dos problemas sociais de cada região; a poesia voltava-se ao questionamento sobre a existência humana e a compreensão de seu lugar nesse mundo tão conflituoso. Na prosa os principais nomes foram Jorge Amado, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Érico Verissimo. Na poesia Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, Jorge de Lima, Murilo Mendes. Com o fim das duas guerras mundiais vem um período de democratização política brasileira e o Modernismo brasileiro começou a ganhar novos rumos. Surge a “Geração de 45”. Já era desnecessário o empenho social e político, pois, em tese, não havia mais conflitos aos quais se oporem. A geração de 1945 abandonou vários ideais de 22, criando novas regras que permitiam a liberdade para o artista criar o que quisesse. Eles não estavam mais ligados à obrigação de aproximar-se da realidade brasileira e nem de aproximar-se do povo através de uma linguagem popular e descontraída, aproximando-se mais a temática ligada às questões humanas e estéticas. Os principais autores foram Clarice Lispector, Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto. Como suporte literário da “Geração de 45” destacaram-se algumas publicações como “Revista Brasileira de Poesia”, publicado em 1947 por Péricles Eugênio da Silva Ramos. Essa revista marcou o surgimento da terceira geração do modernismo brasileiro, assim como a “Revista Orfeu”, também fundada em 1947, no Rio de Janeiro e a revista “Joaquim” editado em Curitiba por Dalton Trevisan em 1946. É nesse contexto que entra a importância do Jornal literário “Tentativa”. Editado numa pequena cidade do interior, “Tentativa” não teve a mesma visibilidade das outras revistas, mas configura também num legitimo representante da geração de 45. Um tesouro a ser descoberto e revelado ao meio acadêmico e demais interessados na história e formação cultural do povo brasileiro. Trabalho de três artistas locais, que com visão extraordinariamente a frente de seu tempo, trouxeram para a cidade de Atibaia as inquietações estéticas e conceituais do que havia de mais atual no meio artístico, inserindo seu nome no mapa do mundo. Para marcar a data, dia 04 de maio sairá o tabloide “Tentativa – 70 anos” encartado nas páginas do centenário jornal “O Atibaiense”, exatamente como aconteceu ha sete décadas. Essa ação faz parte da 6ª Semana André Carneiro que acontecerá de 04 a 14 de maio no Centro Cultural que leva seu nome. A curadoria é de Márcio Zago e a realização do Instituto de Arte e Cultura Garatuja e da Prefeitura da Estância de Atibaia através da Secretaria de Cultura.
sábado, 13 de abril de 2019
“Tentativa” e seu contexto
“Tentativa”, o melhor jornal literário de sua época foi totalmente produzido em Atibaia. Descendente direto do Suplemento Literário, “Tentativa” já nasceu grande. Segundo seus realizadores, o nome escolhido veio do fato dele reunir em suas páginas as mais diversas tendências, opiniões, artistas e intelectuais da época. Nomes consagrados da literatura e da intelectualidade nacional figuraram ao lado dos emergentes, em posições muitas vezes antagônicas, que fizeram desse jornal um legítimo representante da geração pós-modernista de 45. Para conseguir essa façanha (quase impossível de acontecer nos tempos atuais), umas séries de fatores contribuíram para sua realização. Primeiro o contexto politico e social da época: Período pós-guerra, de reconstrução e esperança. Em Atibaia a sociedade se organizava e reafirmava sua identidade turística. Em 1943 foi inaugurado o Hotel de Campo Estância Lynce. Em 1944 surgiu a SADA- Sociedade Amigos de Atibaia. Em 1947 Atibaia foi oficialmente intitulada Estância Hidro-Mineral. Em 1948 foi inaugurado o Ginásio Atibaiense. Fatos que contaram com intensa participação do empreendedor César Mêmolo. Nesse meio surge o “Tentativa”, iniciativa de André Carneiro, sua irmã Dulce e do amigo César Mêmolo Junior, que além das qualidades artísticas, era quem dava o suporte financeiro a iniciativa. Seu pai havia recentemente arrendado o jornal O Atibaiense, onde “Tentativa” foi impresso e encartado como suplemento. Outro fator favorável foi à facilidade que os três produtores tinham de conhecer artistas de nome do cenário nacional. Muitos se hospedavam no Hotel Estância Lynce, a convite de seu proprietário e anfitrião, o empresário Cesár Mêmolo. Alguns desses hóspedes integraram as páginas do “Tentativa” e se tornaram frequentadores assíduos da cidade. Foram eles que ajudaram a formar nossa identidade cultural e divulgar nossas ações. Por aqui deixaram textos e poemas exaltando os encantos e belezas naturais do município como: “Atibaia”, de Menotti del Picchia; “Flor Serrana”, de Guilherme de Almeida e “Soneto a Atibaia”, também de Guilherme de Almeida são alguns exemplos. Ao completar setenta anos de “Tentativa”, o mesmo jornal que um dia possibilitou seu surgimento, o centenário O Atibaiense, irá lançar um encarte comemorativa a data. Ele será publicado no próximo dia 04 de maio, edição de sábado, data que também será aberto a 6ª Semana André Carneiro, evento anual que homenageia nosso artista mais importante. No encarte artigos de escritores, conhecedores da obra, estudiosos, jornalistas, familiares e autoridades falando sobre nosso maior bem cultural. Reserve o seu exemplar.
Matéria do jornal O Atibaiense - 13/04/2019
sábado, 6 de abril de 2019
Setenta anos de “Tentativa”
Há exatos setenta anos surgia o jornal literário “Tentativa”. Ele veio à luz como encarte no centenário “O Atibaiense”. Provavelmente o encarte passou despercebido por boa parte da população, indiferente às propostas arrojadas de um grupo de intelectuais que teimavam em trazer a modernidade para as pacatas ruas do município. Atibaia, que contava na época com aproximadamente vinte e cinco mil habitantes, mal sabia que a partir daquele abril de 1949 teria seu nome associado a um evento cultural de grande importância nacional: A Semana de Arte Moderna de 22. E isso não é pouco! A Semana de 22 foi um marco, estabelecendo a grande renovação linguística, conceitual e estética da cultura nacional. Nomes consagrados do modernismo brasileiro e protagonistas da Semana de 22 circularam por aqui em diferentes épocas como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Víctor Brecheret, Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet entre outros. Alguns registrando os encanto e belezas naturais da cidade através de textos e poemas. Muitas vezes as visitas aconteciam a partir do convite do empresário César Mêmolo, que mantinha a função de “relações públicas” da cidade e de seu principal empreendimento: o Hotel Estância Lynce. Outras visitas aconteciam por ocasião dos eventos culturais que ocorriam no município. Que foram muitos. Um desse aglutinador cultural foi o jornal literário “Tentativa”. Criado em 1949, pelo artista André Carneiro, sua irmã Dulce Carneiro e o amigo César Mêmolo Junior, “Tentativa” em pouco tempo passou a representar em suas páginas as posições da chamada “Geração de 45”, extensão da Semana de 22, tornando-se importante representante desse movimento. Com isso “Tentativa” extrapolou os limites geográficos do município e ganhou o mundo, sendo considerado na época o melhor jornal literário do país. Sua fama atraiu para a cidade a atenção de artistas e intelectuais de peso do cenário nacional, sendo Oswald de Andrade seu maior expoente. É dele a apresentação do “Tentativa”, que conta ainda com o logotipo de Aldemir Martins e a participação de inúmeros artistas nacionais. O vinculo estabelecido entre Oswald de Andrade, André Carneiro e a cidade foram tantas que Oswald de Andrade externou certa vez sua intensão de morar em Atibaia. Para marcar e celebrar os setenta anos do “Tentativa”, a 6ª Semana André Carneiro será dedicada a ele, e uma das ações prevê a publicação de um encarte que saíra no mesmo jornal “O Atibaiense”, como ocorreu a sete décadas atrás. Nesse encarte textos de amigos, conhecedores da obra, simpatizantes, escritores, familiares, artistas e autoridades constituídas comentando sobre o “Tentativa” e sua importância para o município. O encarte saíra dia 04 de maio próximo, quando também terá inicio a 6a Semana André Carneiro.
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