Não há como ler "Alice e Roberval", de André Carneiro, sem associar o conto à nova realidade trazida pelo ChatGPT, Bing e outros programas de inteligência artificial. No conto, os protagonistas Alice e Roberval turbinam um computador que gradualmente ganha maior importância em suas decisões. O equipamento, que também passa a ocupar espaços cada vez maiores no apartamento, começa a solucionar todas as questões apresentadas. O computador chama a atenção de um tio de Alice (também interessado em tecnologia) que passa a visitá-los habitualmente. Em resposta a uma pergunta formulada pelo Tio Alves, o computador apresenta uma resposta enigmática, mas premonitória: "Respostas pendem a aprender na ação. Al e Rob vão ler, insisto, existo e coloco a matemática de uma vez". A frase "Respostas pendem a aprender na ação" me leva a pensar na lógica de aprendizagem da inteligência artificial baseada na repetição de padrões. "Existo e coloco a matemática de uma vez" reforça a ideia de soluções tiradas somente na lógica matemática, própria da Inteligência Artificial. No alerta "Al e Rob vão ler...", surge a surpreendente relação, quase "humanizada", que passa a existir entre o homem e a máquina a partir da IA e suas possíveis consequências. Fato que nos intriga e apavora. O tio Alves traz ainda o amigo Gilberto de Souza para conhecer o equipamento. Candidato a prefeito, Gilberto também formula uma pergunta ao computador, cuja resposta mudaria o destino de todos os envolvidos.
Para quem é de Atibaia, como eu, o conto traz algumas curiosidades que podem passar despercebidas para a maioria dos leitores. Nele, André Carneiro faz uso de uma série de referências à sua terra natal. A começar pelo nome Gilberto de Souza, o ex-prefeito da cidade fictícia. Em Atibaia, Gilberto existe e é um ex-prefeito da cidade. Seu nome é Gilberto Sant’Anna. O sobrenome "de Souza" utilizado no conto é outra referência. Nelson "de Souza" também é outro personagem de carne e osso. Ambos são moradores de Atibaia e foram grandes amigos de André Carneiro. Mas as referências não param por aí. A disputa entre o candidato Gilberto de Souza se dava com um empresário do ramo de transporte público que atuava na linha intermunicipal. O empresário também existe, é o Sérgio Mantovaninni, e já foi candidato a prefeito, como no conto, fato bastante conhecido em Atibaia. A aquisição de "duas casas de ferragens" pelo Roberval também não é aleatória. No tempo em que André Carneiro morou em Atibaia, ele também era proprietário de uma loja de ferragens: a Casa Recaredo.
Se você ficou curioso,
recomendo o livro "O Teorema das Letras", obra póstuma de André
Carneiro publicada em 2016. O livro traz outros quatro contos do autor e um
posfácio caprichado do Ramiro Giroldo, um estudioso da obra do autor. André foi
um genial e multifacetado artista de Atibaia, com destaque na literatura
voltada à ficção científica. Sua obra é lembrada anualmente na cidade através
da Semana André Carneiro, evento organizado pelo Coletivo André Carneiro, o
Instituto de Arte e Cultura Garatuja e a Secretaria de Cultura de Atibaia. Em
2024 acontecerá a décima primeira edição.
Obs: A ilustração acima foi produzida no Canva, um programa
de Inteligência Artificial para gerar imagens. A proposta era uma mesa cheia de
peças de computador, em estilo futurista (ou mais ou menos isso)
