domingo, 14 de janeiro de 2018

André Carneiro e a literatura em Atibaia

Publicações dos poetas locais...












No final da década de quarenta e inicio de cinquenta  Atibaia viveu um momento de grande efervescência literária. Consequência do movimento cultural de vanguarda iniciado no período pós-guerra que tinha André Carneiro como seu principal mentor. O mundo deixava para trás as agruras da 2ª Guerra Mundial e o clima era de esperança. Atibaia, recém-transformada Estância Hidro-Mineral, contava na época com cerca de 25.000 habitantes, sendo somente 7.000 moradores da zona urbana. Nesse contexto um grupo de jovens artistas, de olho nas novas correntes intelectuais europeias, propunha colocar a provinciana e conservadora cidadezinha no mapa do mundo. E conseguiram!

O grupo, além de André Carneiro, tinha entre seus componentes as irmãs Dulce, Maria Francisca, Odila e Odete Carneiro. Tinha ainda César Mêmolo Junior e seus primos Elisa Helena, Maria Amélia e Amadeu Lana. Luiza Lima de Oliveira Chaves e João Luís Chaves completavam o grupo. Outros artistas também se juntaram a eles por determinado tempo, como Oswaldo Barreto Filho e Aldemir Martins. Uma das características desses jovens era atuar em diversas áreas: literatura, cinema, fotografia e artes plásticas. Em todas deixaram importantes legados que gradativamente vem à tona, revelando e afirmando a importância dessas ações como fundamentais na formação da identidade cultural do município. Se hoje Atibaia é conhecida e reconhecida por suas ações culturais, muito se deve a esse grupo.

Na época o jornal desempenhava importante papel na divulgação da produção literária, e em Atibaia não foi diferente. “O Atibaiense”, existente desde 1901, publicava com frequência a produção dos escritores locais e também de fora, principalmente nos Cadernos de Leitura, encarte semanal que surgiu pelo fato do jornal, nesse período, pertencer ao pai de César Mêmolo Junior- escritor, poeta e um dos principais integrantes do grupo. Em 1946 surge “A Gazeta de Atibaia”, sob a direção de Helvécio Scapim, que também abria espaço a produção literária local, chegando inclusive a disponibilizar sua gráfica à edição do livro “Cartas de Marear”, de Donozor Lino.

Em 1946 André Carneiro, César Mêmolo Junior, Donozor Lino e Helvécio Scapim deram origem a um pequeno acervo literário no então existente Clube Comercial. As doações de outras pessoas engrossaram o acervo, que propunha ser aberto ao atendimento da população. O empreendimento cresceu sendo mais tarde doado à Sociedade Amigos de Atibaia, que depois transferiu a Prefeitura, originando a atual Biblioteca Publica. Em 1976 a Câmara Municipal nomeia Biblioteca Pública Joviano Franco da Silveira, em homenagem ao poeta atibaiano  e um dos fundadores da primeira Biblioteca da cidade, o Gabinete de Leitura, que existiu no inicio do século XX e que funcionava de maneira fechada, com pagamento de mensalidade dos associados.

Em abril de 1948 acontece em São Paulo, na Biblioteca Municipal, o 1º Congresso Paulista de Poesia que tinha entre os participantes Péricles Eugênio da Silva Ramos, Domingos Carvalho da Silva, Mário da Silva Brito, Geraldo Vidigal e outros. O discurso de abertura foi do crítico Antônio Cândido. André Carneiro teve intensa participação nos debates, fato que chamou a atenção de Oswald de Andrade, também presente no evento. A partir daí tornaram-se grandes amigos, passando Oswald de Andrade a visitá-lo com frequência em Atibaia. Na ocasião André Carneiro foi eleito Secretário do 1º Congresso Paulista de Poesia. No mês seguinte, por deliberação do próprio Congresso, foi criado em São Paulo o Clube da Poesia, que tinha em seus quadros importantes expoentes da poesia moderna como José Geraldo Vieira, Sérgio Milliet, Menotti Del Picchia e outros. O poeta e ensaísta Cassiano Ricardo foi eleito Presidente e anos depois André Carneiro seria Diretor de Divulgação do Clube da Poesia que tinha a proposta de promover conferências, cursos e publicações.

Pouco depois André Carneiro e o grupo de artistas locais organizam o Clube de Poesia de Atibaia, associado ao Clube de Poesia de São Paulo. Oswaldo Barreto Filho foi escolhido Presidente. Oswaldo Barreto foi outro jovem artista da cidade bastante atuante na área cultural, dedicando-se mais tarde inteiramente ao teatro onde ganhou projeção na área. O intercambio rendeu inúmeros frutos. Em agosto de 1948 o Clube de Poesia local, o jornal O Atibaiense e o Ginásio Atibaiense promovem um recital de poesia trazendo para cá uma caravana de intelectuais paulistas filiados ao Clube de Poesia de São Paulo. Estiveram presentes Oswald de Andrade, José Geraldo Vieira, Aldemir Martins, Jamil Almansur Haddad entre outros. O evento aconteceu no Salão Nobre do recém-inaugurado Ginásio Atibaiense (hoje Escola Major Juvenal Alvim).

Em 1949 é lançado o encarte literário “Tentativa”, rodado na gráfica do Jornal O Atibaiense.  Só ele bastaria para destacar a cidade como importante polo cultural da época no segmento da literatura, e não só da região, pois sua fama extrapolou as fronteiras nacionais.  Inacreditavelmente “Tentativa” reuniu em nossa cidade o que havia de mais significativo na literatura nacional mesclando autores consagrados aos novos expoentes que hoje fazem parte da cultura nacional. Exemplos não faltam: Sérgio Milliet, Murilo Mendes, Otto Maria Carpeaux, Guilherme de Almeida, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Vinicius de Moraes, Lygia Fagundes Telles, Décio Pignatari, Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Goulart e tantos outros. É bom destacar que a participação de muitos desses artistas não foram meramente formais, mas com envolvimento e paixão. Pela importância que teve no meio literário nacional o jornal Literário “Tentativa” pode ser considerado nosso maior patrimônio cultural erudito. Sua importância está ligada ao fato de ser um legítimo representante da chamada Geração de 45, ou a terceira geração modernista.

Ainda nesse período foram lançados quatro livros de poesias na cidade: Em julho de 1949 André Carneiro lança o livro “Angulo e Face”, com desenho na contra capa de Aldemir Martins. Cinco meses depois foi a vez de Donozor Lino com “Cartas de Marear”, que tinha a capa desenhada pelo próprio André Carneiro. No ano seguinte, 1950, foi César Mêmolo Junior que lançou “Permanência e Tempo”, com desenho na contracapa também de André Carneiro e o miolo ilustrado com linóleos de João Luiz Chaves. E por fim, em 1953, Dulce Carneiro, irmã de André Carneiro, com “Além da Palavra”, livro que trazia como ilustração o retrato da autora desenhada pelo amigo Aldemir Martins. Todos editados pelo Clube da Poesia, com exceção de “Cartas de Marear”. Nos Cadernos do Clube de Poesia, além dos autores citados, foram publicados outros escritores iniciantes na época, como Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Paulo Vanzolini e outros.

Essas iniciativas chamaram a atenção de artistas e intelectuais da época para a pequena cidade de Atibaia, ao ponto de Oswald de Andrade nomear uma “Escola de Atibaia”, em associação a Escola Mineira na literatura. O artigo saiu em sua coluna “Telefonema”, publicado entre 1944 e 1954, no Correio da Manhã, onde Oswald de Andrade traça elogios aos poetas locais escrevendo tratar-se do “melhor esforço de cristalização de nossa poesia atual”.

São fatos como esses que atestam e afirmam a importância de André Carneiro para o município e justifica plenamente o novo espaço cultural levar seu nome. Trata-se de uma justa homenagem. André Carneiro deixou como legado a identidade cultural do município associado ao que de melhor se produziu no país. Poucas são as cidades que tem esse privilégio. Cabe aos artistas, homens públicos e a população em geral preservar e dar continuidade a esse conceito. Mais que cultura, o que queremos é cultura de qualidade!

Márcio Zago, fundador do Garatuja e curador da Semana André Carneiro.
Artigo publicado nos jornais O Atibaiense e Jornal da Cidade dia 13 de janeiro de 2018

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