O jornal literário Tentativa, já no primeiro número se mostra preocupado com o resultado estético face aos limitados recursos da época. O processo utilizado era a tipografia. Processo extremamente trabalhoso se comparado aos atuais. Cada palavra impressa era formada por letras de metal em relevo, montadas uma a uma, de trás para a frente. A tinta aplicada sobre esse relevo era calcada no papel, como um grande carimbo. Desenhos ou fotos, mais complicado ainda. Daí a escassez de imagens nos jornais da época. Fato que não ocorreu no Tentativa. A começar da logomarca desenvolvida pelo então iniciante artista plástico Aldemir Martins. De grande impacto visual a logomarca, assim como as demais ilustrações feitas por ele, é arrojada para a época e bonitas até hoje. Destaque para o bico de pena Vista de Atibaia, que figura em meio ao texto de Oswald de Andrade, logo na primeira edição. Cada imagem impressa vem de um clichê. Descendente direto da xilogravura, o clichê é um processo fotomecânico e provavelmente, no caso do Tentativa, feito em outra cidade. O trabalho de impressão acontecia na Oficina Gráfica Santa Terezinha, pelo Jornal O Atibaiense, de propriedade da Diocese, que na época tinha sido arrendado pelo pai de César Mêmolo Jr. Nos três primeiros números do Tentativa as ilustrações são exclusivamente de Aldemir Martins, presente nas edições seguintes, exceto nos números 5, 10 e 13, onde seu nome não aparece. A partir da quarta edição surgem outros artistas. Pela ordem: Carolyn Spaaks, Franz Weissmann, Frans Masserel, Picasso, Oswald de Andrade Filho, Geraldo de Barros, El Greco, João Luiz Chaves, Franz Maseerel, Washington Júnior, Clovis Graciano, Carybé, Paulo Vicente de Souza Lima, Lygia Sampaio, Jenner Augusto, Itajahy Martins, Jean Toth e Farnese. Pelas informações obtidas não há como identificar quais trabalhos foram produzidos especialmente para o Tentativa. Mesmo as imagens de Aldemir Martins, que a princípio sugerem que foram produzidas especialmente para o jornal, pode ser questionado, uma vez que a citada Vista de Atibaia foi utilizado dois anos antes como capa da Revista do Arquivo Municipal, editado pelo Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, no volume CXV, de 1947. Pode-se especular sobre outros artistas. É o caso dos cinco trabalhos de João Luiz Chaves que constam nos últimos números. João Luiz Chaves integrou o grupo de jovens artistas de Atibaia que na década de 40 formaram um movimento de vanguarda a inserir modernidade na pacata cidadezinha. Fizeram parte desse movimento, além dos citados João Luiz Chaves e André Carneiro, as irmãs de André (Dulce, Maria Francisca, Odila e Odete), além de César Mêmolo Júnior e seus primos Elisa Helena, Maria Amélia, Amadeu Lana e ainda Luzia Lima de Oliveira Chaves. O grupo atuou em diversas áreas como cinema, literatura, fotografia, artes plásticas, música, etc, Culminou mais tarde na realização do Tentativa e depois na Exposição Coletiva de Pintura, em Atibaia. Por essa razão é provável que as gravuras de Luis Chaves tenham sido produzidas exclusivamente para esse jornal. No número quatro, já na capa, uma bela xilogravura de Aldo Bonadei, amigo de André Carneiro, que também transitava por diferentes linguagens: poesia, moda, teatro e artes plásticas, sendo mais conhecido por sua participação no Grupo Santa Helena. Em 1950 Aldo Bonadei ficou encarregado de escolher os artistas participantes da Primeira Exposição Coletiva de Pintura. Esse foi outro fato histórico sem precedentes na história da cidade, dado a grandiosidade e o inusitado da realização. Nomes que participaram da mostra, com trabalhos originais, também aparecem ilustradores do Tentativa, como Geraldo de Barros, Oswald de Andrade Filho, Franz Weismann e o próprio Aldo Bonadei. Logo se conclui que alguns desses artistas tiveram exclusividade no Tentativa, afirmação difícil de ser feita, uma vez que até o momento não se conhecem registros a respeito. Há uma distinção com referência á classificação das imagens: hora aparece “ilustração de”, ou “desenho de”, “reprodução de” e ainda a técnica utilizada: “aquarela de”. Esse detalhe poderia oferecer alguma dica, sugerindo que as “ilustrações de” seriam de exclusividade do jornal, algo feito especialmente para entrar em determinadas matérias. Indício mais forte quando vemos o trabalho de Carybé e de Itajahi Martins. Outras imagens aparecem, como reproduções das obras de Picasso e El Grecco, além de fotos promocionais de filmes, de personalidades como Mário de Andrade e Joaquim Nabuco. Há fotos de registro sobre a Exposição de Arte Moderna e a entrevista com o pintor Guignard. Assim como Klaxon, a revista de divulgação do Movimento Modernista de 22, que já trazia a inovação gráfica como parte integrante da proposta. O jornal literário Tentativa também demonstra essa preocupação, embora com menor ousadia. Trinta anos decorreram entre uma e outra publicação sem que houvesse mudanças significativas quanto à técnica de impressão. A grande diferença entre elas foi o contexto em que foram produzidas. Uma em São Paulo, já metrópole, outra em Atibaia, cidadezinha com menos de 25.000 habitantes. Esse um grande mérito do jornal Tentativa.
Todos os trabalhos acima são de Aldemir Martins e foram produzidos especialmente para o jornal Tentativa. Em 2006, por ocasião da publicação fac-símile do Tentativa, Araceles Stamatiu realizou a entrevista abaixo.
Tudo na vida é papel
Aldemir Martins revê o Tentativa. Curioso, emocionado, chama seu assessor Umberto e aponta para o logotipo que criou há mais de quatro décadas: “Olha que bonito...”. Folheia o jornal e vai mostrando as ilustrações ao pessoal à sua volta no ateliê. Observa cada desenho, o tracejado aprendido com rendeiras da sua terra, “ponto de mosca, cruz e bico, rendas nas palhas de catolé, caçuá e banana e com o desenho das nódoas do caju na roupa”, conta ele, sempre divertido. Fecha o jornal e diz “tudo na vida é papel!”. Depois, lentamente, vai contando como, recém-chegado do Ceará, viveu em Atibaia a experiência dessa publicação. “Tinha chegado a São Paulo há pouco tempo e um amigo, o deputado Germinal Feijó, ofereceu seu sítio em Atibaia para eu morar. Era uma granja cuidada por um japonês. Não faltavam ovos. Eu almoçava em uma padaria no centro da cidade. Acho que era do senhor Antônio, não me lembro bem.” “Como os artistas acabam se encontrando, conheci a Dulce Carneiro. Uma menina linda de vestido de crochê, falando françês e inglês, familiarizada com os grandes movimentos artísticos do mundo. Uma intelectual. Depois fiz amizade com o César Mêmolo, o André Carneiro e também o João Batista Conti. Como era mesmo o nome da mulher dele? Mercedes, isso mesmo.” “No armazém do pai da Dulce e do André tinha um salão e lá nos reuníamos para programar a edição do Tentativa. O projeto era grande, ambicioso...E assim nasceu esse jornal fabuloso, com o melhor da arte e da literatura que, saindo de uma cidadezinha, circulou até pelo exterior. Foi uma grande experiência. Éramos jovens, desafiávamos o mundo...”
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