domingo, 4 de setembro de 2016

Tentativa – Montando o quebra-cabeça


Pinçando aqui e ali, entre uma matéria e outra, vamos recompondo a criação do Jornal Tentativa. Segundo André Carneiro Tentativa nasceu de um conjunto de circunstâncias e coincidências, até certo ponto provocado pela censura ditatorial que cerceava a atividade dos melhores jornais do país. Houve uma grande diminuição dos Suplementos Literários dominicais e as revistas literárias praticamente desapareceram. Eu tinha 27 anos. Junto com um amigo com dez anos menos (César Mêmolo Jr.) e minha irmã Dulce Carneiro com 18, lançamos de Atibaia um jornal literário com o título de TENTATIVA, desenhado pelo grande Aldemir Martins, recentemente chegado do Norte...  Tentativa em pouco tempo ganhou projeção nacional, sendo considerado o melhor jornal literário da época. Essa importância explica-se, em parte, pelo fato de ter logo no primeiro número a apresentação de Oswald de Andrade. Como se conseguiu essa façanha? Em abril de 1948, promoveu-se o 1º Congresso Paulista de Poesia, que cunharia o termo Geração de 45 para aquela classe reunida de escritores e críticos: Sérgio Milliet, Antônio Cândido, Péricles da Silva Ramos, José Geraldo Vieira e outros. Patrícia Galvão, a Pagu, que já fora casada com Oswald, e o próprio André Carneiro, faziam-se presentes. André estava à mesa como representante do Interior. A ausência de Mário de Andrade, recentemente falecido, honrosamente foi lembrada. Não pretendiam criar polêmica com o movimento de 22, isto é mito; estavam sim reunidos para dar continuidade e firmar os passos da nova tendência literária. André mantinha-se calado diante daquelas “vacas sagradas”, ele conta. Após o último dos grandes ter falado, pôs-se a defender sua tese, ao fim da qual Oswald pediu palavra. Imaginou que por suas ironias de agudo senso seria escorraçado. Poucos ousavam enfrentar Oswald, cuja elegante verve transformava em verdade tudo quanto dissesse ou quisesse. Se a burrice pode ter sua assembleia, porque não podem os homens inteligentes aqui se reunir? Começou assim, e lançou sobre Carneiro uma carrada de elogios. Tornaram-se grandes amigos. Oswald passou a visitá-lo regularmente. Nas páginas do Tentativa desfilaram uma extensa lista de colaboradores, nomes já consagrados da literatura nacional em meio aos aspirantes. As gerações de 20, 30 e 45, foram colocadas lado a lado, muitas vezes com posições antagônicas. Sabe a ingenuidade do jogador que não sabe jogar pocker e ganha?, disse André Carneiro. Como eu não conhecia, naquela época, a complexidade de se fazer um jornal literário no Brasil, eu fiz um e fui entrevistando todo mundo e, de repente, eu tinha colaboradores como o Graciliano Ramos e Vinícius de Moraes. O primeiro time escrevia no meu jornal... Essa ideia de “acaso” é parcial. De Atibaia para Todos - Nosso jornal saindo de uma cidade de 14.500 habitantes como Atibaia, quer se libertar de um complexo de estreiteza a provincianismo. Para isso, procura que seu corpo de colaboradores reflita todos os grupos e tendências, num retrato sem preconceitos da atual agitação literária brasileira. E isso não seria possível se tentássemos apontar determinados rumos, selecionando a matéria debaixo de uma rígida orientação pré-estabelecida. A direção de Tentativa procura “não julgar”, já que nos faltam perspectivas para tanto. Vivendo isolados, confessamos sem pejo que nossas ilusões são maiores. Mas não queremos perdê-las, pois delas extraímos a força para que esta publicação continue e permaneça. Esse pequeno aviso, logo no segundo número, revela que Tentativa tinha objetivos claros e plena consciência de tempo e espaço. Foram treze números, sendo os dois últimos realizados somente pelo César Mêmolo Jr. O último, de número 13, ficou por muito tempo desaparecido, sem integrar o acervo da cidade e sem entrar na versão fac-símile publicada em 2006. A organizadora da publicação, Araceles Stamatiu, conta que foi ao Rio buscar esse último número, mas o diagramador esqueceu-se de inseri-lo na publicação. Agora, graças à generosidade do Osvaldo Duarte, é possível montar o quebra-cabeça: saberemos finalmente quem ganhou o Concurso Livro de Contos que tinha como comissão julgadora Sérgio Milliet, Antônio Cândido e Osmar Pimentel e conheceremos o texto final que sinaliza o fim de suas atividades. Para nós, atibaianos ou atibaienses, Tentativa tem um ingrediente a mais. É reconfortante imaginar que um grupo de jovens intelectuais, há mais de sessenta anos, inseriu nossa cidade no mapa do mundo. Tempo em que as ruas ainda eram de terra, sem internet e whatsapp. Com uma ousadia incomum, André Carneiro, sua irmã e um amigo, com desejo e disfarce cosmopolita, como se ao olhar com dissimulado senso de superioridade e por sobre os ombros cobrisse a cidade com o manto do sonho ofuscando nosso secular provincianismo. A partir de agora, com todos os números do Tentativa disponibilizados no site da Semana André Carneiro, estudantes, pesquisadores e demais interessados poderão conhecer nosso maior bem cultural, e com isso, quem sabe, recolocar seus criadores no merecido lugar de destaque como legítimos representantes do que de melhor se produziu em Atibaia e região, e porque não, no Brasil? Um reconhecimento tardio, mas necessário. Saiba mais.

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